A Nova Igreja e seus Padres Aromáticos

Depois de amargar, durante décadas, a perda cumulativa da audiência, a Igreja Católica volta à carga com uma nova e poderosa frota de religiosos: os "padres aromáticos" — adaptados ao gosto popular vigente; em plena sintonia com as tendências e os modismos da vida moderna; concebidos e treinados para tomar de assalto a mídia via satélite.

No princípio, eram as trevas: o descaso e o desgosto dos brasileiros para com os representantes apostólicos romanos do papa João Paulo II; a simpatia e o entusiasmo dos mesmos compatriotas pelo temível bispo Edir Macedo, acompanhado de seus ambiciosos pastores. De repente, erguiam-se templos da "Igreja Universal do Reino de Deus" em pontos estratégicos do país; de repente, os evangélicos começavam a ocupar cargos nas Assembléias Legislativas, em esferas estadual e federal; de repente, suas cadeias de televisão e rádio passavam a disputar picos de Ibope — ameaçando a ordem estabelecida e o reino de dominação dos mesmos comunicadores de sempre.

O que fazer?

Reunida a cúpula da Santa Madre Igreja, ao lado dos mantenedores do brazilian lifestyle, decidiu-se por lançar uma nova facção teológica — que conciliasse o "catolicismo tradicional" com algumas dessas novas iniciativas de grande aceitação popular. Produziu-se um modelo híbrido que, por conveniência, herdou boa parte dos preceitos do "Movimento Carismático", surgido nos Estados Unidos, em 1968.

Implantou-se, então, como suporte para essa "nova" fé, uma infraestrutura de difusão e de manutenção continentais. Dada a possante rede de telecomunicações da concorrência, os "novos" fiéis católicos teriam de ser conquistados em escala industrial — não mais pelo paroquiamento bairrista (como se fazia antigamente).

"Qualquer lugar é lugar para se falar do amor de Cristo. Por isso estamos nas praias, nas praças, nas televisões e nas rádios." — proclama Padre Zeca, um dos homens-de-frente da "Milícia Celeste" no Rio de Janeiro. A esse respeito, canta seu equivalente paulista, Padre Marcelo: "Senhor, põe teus anjos aqui / Com a espada desembanhada / Não deixes que o Inimigo / Escarneça e zombe de nós /... / Senhor, põe teus anjos na Rádio."

Como um grande negócio, a "nova" Igreja foi edificada conforme as leis e os mandamentos do Mercado.

Escolheu-se, por exemplo, um "público alvo". No caso, um segmento que andava desamparado, graças à intolerância e à inflexibilidade seculares da Igreja Tradicional: — o público jovem. Não à toa, os padres Zeca e Marcelo, ostentam fina estampa, têm por volta de trinta anos e cultivam hábitos presentes no viver da "moçada" de agora: o primeiro é surfista-violeiro; o segundo, ex-fisiculturista-aeróbico; o primeiro promove shows ao ar livre, em Ipanema; o segundo, performances saltitantes na Zona Sul de São Paulo.

Ao mesmo tempo, são versáteis: agradam igualmente o público adulto, o infantil, e o da "terceira idade". O adulto pela trajetória "sem máculas"; pela conduta aparentemente exemplar e abnegada. O infantil pela atenção voltada às crianças, pela presença de espírito (e de palco). O da terceira idade pela promessa de pronto reestabelecimento da moral e dos bons costumes (tão em baixa ultimamente).

Sem falar na boa voz, na fotogenia e na escolha do repertório.

E nos slogans, é claro. Frases de efeito repetidas exaustivamente, quando não sugeridas de forma subliminar. "Deus é dez!", anuncia o Zeca carioca (possivelmente cogitando transformar seu bordão em adesivo para automóveis). "Há um clima todo diferente", canta Marcelo Rossi, enquanto garante: "E eu tenho certeza, sem exceção, ninguém sairá daqui decepcionado", "Você vai ver que a homilia hoje é prática, é na prática", "Você vai ter de assumir um compromisso, mas ninguém é obrigado".

É, os tempos mudaram.

Assim, explicam-se as aparições arrebatadoras do padre paulista no "Domingão do Faustão" (TV Globo), no "Domingo Legal" (SBT), no "Programa do Ratinho" (SBT), em "História do Sucesso" (TV Manchete), em "Manhã Mulher" (TV Bandeirantes), na "Hebe" (SBT), em "Deles e Delas" (Rede CNT/Gazeta), em "Guerra é Guerra" (Rede CNT/Gazeta), no "Esporte Espetacular" (TV Globo), no "SPTV" (TV Globo), no "H" (TV Bandeirantes), no "Gente de Expressão" (TV Bandeirantes), no "Globo Repórter" (TV Globo), no "Programa Livre" (SBT). Assim, explica-se a presença de cinquenta mil espectadores por dia, quatro vezes por semana, em suas missas no "Santuário do Terço Bizantino". Assim, explica-se também a vendagem de mais de um milhão e meio de cópias de seu CD "Músicas para Louvar o Senhor" (dois meses após o lançamento).

Inegáveis, portanto, os talentos de ambos os sacerdotes para conquistar, para entreter e para confortar seus "novos" fiéis católicos. Eles são bons no que fazem, não resta dúvida. Afinal, têm espírito de liderança, são multi-especialistas, carregam valor agregado, geram empregos e movimentam a economia de forma notável.

A questão, no entanto, não é essa; a questão é a seguinte: você, católico "não-praticante", entregaria a eles a administração de sua alma?

J. D. Borges