Ascensão e Queda de um Pequeno Polegar

"Tudo o que Deus faz é bom."

(Sílvia de Melo, mãe do Polegar)

Ascensão

O ano era 1988. A cidade era São Paulo. A namorada, a Didi. E o local, a boate Up&Down.

Rafael Ilha Alves Pereira, então garoto-propaganda da escuderia Batavo de laticínios, reinava absoluto na pista, ao som de New Order, Depeche Mode, Pet Shop Boys, Rick Astley, Kylie Minogue, Noel e Information Society.

Era o único com acesso ilimitado aos camarotes, e à mesa de som da casa — de onde o D.J. Michel comandava os passos de dança da moçada. Era o único por quem as garotas suspiram unanimemente na hora da música lenta (quando a cueca melava). E era o único, dentre aqueles que excediam o limite de idade, a entrar sem ser barrado pelo sarcástico porteiro Gregório — também segurança daquelas matinês imemoriais.

Namorou, poucos hoje sabem, Adriana Ciola — por uma coincidência trágica, também vítima do caos social da grande metrópole — sordidamente assassinada durante o assalto do Bar Bodega, ocorrido em agosto de 1996.

 

O ano era 1989. A cidade era São Paulo. O programa era o do Gugu. A namorada, Simony. E o grupo, o Polegar.

Hordas de insaciáveis fãs ameaçavam invadir o palco cada vez que o refrão era bradado: "Dá pra mim!". Rafael dedilhava uma guitarra desligada, Alan batia os dedos num teclado imaginário, Ricardo sapecava uma bateria com duas peças minguadas e Alex tocava um baixo que ninguém escutava. Resumindo, o playback rolava solto enquanto o dinheiro entrava nos cofres da PromoArt (de Augusto Liberato), e nos bolsos dos imberbes Polegares, fruto de shows, de merchandising, de aparições televisivas e de uma vendagem de discos de mais de mil cópias diárias.

 

O ano era 1990. O país era o Brasil. O canal era o da Rede Manchete. A novela, Pantanal.

Despontava para o estrelato e para o reino das unânimes beldades, Juma Marruá, a xucra pantaneira, a mulher que virava onça, paixão de Jove (filho de José Leôncio), considerado "frozô" pela macharia impiedosa.

Trazida do matagal como animal selvagem, verdadeira avis rara, Cristiana Oliveira passava de ex-adolescente gorda rejeitada, ex-esposa de fotógrafo low profile, a "gostosa total" — desejada por dez entre dez brasileiros espectadores de telenovelas apimentadas; com direito a namorar Fábio Assunção, o Brad Pitt dos Tristes Trópicos da Brasilidade.

 

O ano era 1991. O cenário era o Rio de Janeiro. O estúdio era o da Rede Manchete. O programa, da Angélica.

Encontravam-se o Pequeno Polegar de um milhão de dólares e a filha de Maria Marruá, Crica Sorridente de Oliveira. Ele com dezoito anos, 1,68m de altura. Ela com vinte e sete de idade, e 1,76m de altura. O casal perfeito. O par ideal. Feitos um para o outro. O romance foi tiro e queda.

E queda. Um ano depois, Rafael trocava a sereia pantanosa mais cobiçada do Brasil pelo Angel Dust (segundo a revista Manchete) ou pela Sister Heroin (segundo a exagerada Veja).

 

"Ele se envolveu com drogas e isso tem de ter uma conseqüência."

(Yolanda de Melo, avó do Polegar)

Queda

O ano era 1987. Aos catorze anos, Rafael Ilha Alves Pereira, estrela de comerciais desde os nove, iniciava-se no temível mundo das drogas — fumando maconha e cheirando cola.

O ano era 1989. Acontecia a primeira das dez internações em clínicas de recuperação para dependentes em geral. Patrocinada por Gugu Liberato — que queria seu Pequeno Polegar de volta —, a internação se fez vã — visto que Rafael fugiu da clínica, abandonando a rendosa carreira de astro popular.

O ano era 1993. Evelyn Calixto, a auxiliar maneta de supermercados, admiradora de longa data, socorria o ídolo em uma de suas overdoses: — "De repente, ele teve aquele treco: enrolou a língua, teve convulsão."

O ano era 1997. Sem conseguir se equilibrar, o ex-Polegar procurava a Igreja Messiânica de Moema. Internando-se na propriedade rural da entidade, trabalhava como roceiro das 11 às 17 horas, numa tentativa de se purificar.

 

Primeiro semestre de 1998. Numa de suas incontáveis recaídas, desaparece por dois dias com a caminhonete da mãe na Barra da Tijuca, sendo detido em Ipanema — depois de emprestar o veículo a traficantes que, com o mesmo, assaltaram um supermercado.

Segundo semestre de 1998. Recai no vício do crack, mudando-se para debaixo de uma ponte no Campo Belo, após encontrar as gravadoras de portas fechadas.

Setembro de 1998. Simulando com a mão um revólver, assalta balconista e aposentado; é preso em flagrante, confinado com mais de vinte presos em uma cela de 16 m2, e acusado por cabo da PM de outro delito no começo mês supracitado.

Balanço

Parodiando o escritor americano Joseph Heller...

"Tanto o sucesso quanto o fracasso são difíceis de levar. Com o sucesso vêm sexo, drogas, arrogância, fracasso; viagens, divórcio, depressão, fracasso; remédios, neurose, suicídio e fracasso.

Com o fracasso, vem mais fracasso."

J. D. Borges