As Guerras Estelares e o marketing do Yoda

Incrível como uma teia de lembranças pode se apoderar de nós.

É com certa pena e bastante complacência que fazemos o juízo desse "Episódio I" de Guerra nas Estrelas (atualmente nas salas do Brasil). Todo mundo percebe (até os fãs mais ardorosos) que não colou; mas ninguém tem convicção suficiente para a afirmar: "Olha George, não foi desta vez; e talvez nem seja mais..." — em condolências acompanhadas dos tradicionais tapinhas nas costas.

É como se o Sr. Lucas nos fosse muito estimado pelas emoções infantis, adolescentes e juvenis que nos proporcionou, desde 1977 — impossibilitando uma avaliação justa do fracasso criativo de agora. Não conseguimos ser simplesmente implacáveis com os nossos ídolos de outrora, pois junto com eles lamentamos a decadência e o esforço desperdiçado (numa última tentativa suada).

O Yoda, duas gerações mais novo, sintetiza toda a catástrofe: embora cronologicamente remoçado, mostra-se mais ofegante, mais cansado e mais desiludido do que nunca — como que implorando por uma aposentadoria ou por uma cadeira de rodas motorizada. O vilão, Darth Maul, pelo seu lado, não assusta nem criancinhas recém-saídas do berçário; não veio temperado com um mínimo de humanidade, o que o faz mais surreal e inofensivo do que C3-PO. E por falar em mascotes, Jar Jar Binks tenta sem sucesso quebrar o clima grave de perfeccionismo e precisão — porém o máximo que consegue é destoar da virilidade e do conformismo do cerimonial Jedi. A rainha Amidala, então, veio direto de uma estufa ou de uma fôrma de assar pão; de tão engessada, não desperta qualquer tipo de sentimento, bom ou mau; parece um boneco de ventríloquo tentando mexer a boca e tentando andar.

O único dado que talvez deva ser notado é o de que 95% da produção resulta de emulações em computadores e demais engenhocas. Paisagens pouco variadas e atores de carne e osso disputam os outros 5% — sem direito a nenhum movimento em falso, a nenhuma falha ou escorregão de última hora. A orquestração do cast e dos cenários é tão eficiente que causa sono mesmo durante as perseguições e batalhas mais elaboradas. Parece screen saver. Como recordação das duas horas milionárias, retém-se uma corrida de autorama (misturando, segundo os mais inspirados, Ben-Hur e Fórmula Um) que não dura quinze minutos; se durar.

O protagonista-mirim, Anakin Skywalker, é tão impertinente que deve levar o Oscar do ano que vem pra casa. Se toma conta da cena e dirige a ação logo no início da saga, não tem porque não submeter toda aquela galáxia aos seus desígnios e aos interesses do lado negro da Força. Afinal, com mestres tão tolos e tão ocos como Qui-Gon Jinn e Obi-Wan Kenobi, até Luke Skywalker se entediaria e se renderia à carapaça negra, aos transistores e às transgressões da vida interestelar.

Mas chega de chutar cachorro morto. O fato é que George Lucas traiu nossas lembranças, embora, lá no fundo, continue digno de nossa confiança. Assim sendo, mesmo os desapontados do momento tendem a se encaminhar, ainda mais esperançosos, para as filas e as torcidas pelo "Segundo Episódio". Eis aí um belo paradoxo.

Queira ou não queira, passados as modas e os modismos, todo ser humano se agarra a alguma ilusão de permanência. Ninguém quer ver sua época passar sem deixar rastro, ninguém quer deixar de viver a marca duradoura e característica de seu tempo (nem que ela tenha sido sociologicamente forjada). Considerando que atualmente andamos fracos de heróis e de mitos (suficientemente sólidos), nada melhor do que ressuscitar e recauchutar crenças e slogans que encantaram o público de décadas atrás. Num futuro, poderemos pelo menos dizer que nos espelhamos no que sobrou da fuligem dos Anos Setenta e Oitenta. (Melhor que nada.)

Infelizmente, para nós, os criadores (contemporâneos nossos) ficam ricos e famosos. Casam e gastam toda a sua imaginação com mulher, filhos e amigos. Vive-se bem. Antigamente o sujeito penava praca; tinha de inventar mil e uma táticas para sobreviver, mil e um subterfúgios para suportar a realidade — o que lhe enchia a alma de profundidade, teorias e sentimento; que ele depois despejava vitoriosamente em seus trabalhos.

Fora que ovação corrompe. Ovação unânime, então (se seguirmos Lorde Acton), corrompe absolutamente. Imagine o que é estrear uma produção que já sai do forno com mais de 3 bilhões de dólares previamente arrecadados em luvas e outros quetais? Não deve haver originalidade e integridade artísticas que agüentem.

Acabamos, por fim, concluindo que o desafio dos cineastas que virão deixa de ser um desafio de crítica ou de público — para se tornar um desafio de conquista de mercados, de diversificação de produtos e de Marketing (palavrinha gasta, é verdade). Não à toa, quem tem hoje um idéia e uma câmera na mão, nem pensa em Cinema, escolhe logo Publicidade.

Como diria o Veloso, depois desses episódios: "Que a Força nos mande coragem". E estômago.

J. D. Borges