Para além da rebeldia juvenil: a Violência

Amadurecer é difícil. Para alguns, uma impossibilidade.

A adolescência é aquela fase em que você deixa de ser criança, sem deixar necessariamente de sê-lo — ao mesmo tempo em que ensaia ser adulto, sem grande êxito. No contrapé das fantasias infantis e da realidade que se desvela áspera, vai-se formando o individuo, seu caráter e sua personalidade.

Paradoxalmente, chama-se "maduro" aquele cujo amadurecimento não cessa jamais; aquele de quem se exige compreensão cada vez maior de tudo e de todos; aquele a quem se delega crescentes e penosas responsabilidades; aquele que responde com resignação e maleabilidade quando ninguém mais se presta a encarar a existência e seus numerosos fardos. Aquele que, em suma, olhou para dentro do abismo de Nietzsche; carregando-o consigo para sempre.

Mas não é aquele que serve de modelo para a sociedade. Visto que sofre e amarga dificuldades. Afinal, viver e realizar obras é coisa para quem monta o burro e agüenta o trote. (Os mansos, é óbvio, preferem perder-se em jardins de aparente felicidade.)

Nesse cenário, é natural, pois, que pais — conhecedores das maldades e das dores do Mundo que aí está —, visem proteger seu filhos da podridão e da animosidade que, desde os primórdios, assola o homo sapiens. Chegando, inclusive, ao cúmulo irrealizável de desejar-lhes uma trajetória sem arranhões, sem decepções, sem máculas. Qual uma deliciosa quimera: absolutamente improvável.

(Pobres dos pais. Pobres dos filhos. Pobres dos filhos dos pais.)

Constrói-se, portanto, uma redoma protetora, deformadora, inquebrantável — que garante ao jovem "moderno" uma aura de superpoderes, e de superquereres (de igual porte). Não bastasse o beneplácito amplo e generalizado de seus progenitores, o fedelho conta agora com a primazia da Indústria Cultural e do Mercado — que lhe dedicam toda a sorte de adereços, de apetrechos, de comes, de bebes, de eventos, de ideais.

E de armas.

Meninos do Brasil

Dentro desse universo, entende-se, por exemplo, a postura paternalista e acobertadora adotada por alunos, professores, famílias e dirigentes da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Postura que silencia e cala diante do afogamento do calouro Edison Hsueh — que não sabia nadar e que não estava nem bêbado, nem narcotizado; apenas dolorido e humilhado depois de uma suave sessão de "trote".

A questão é ainda mais intrincada. Como pôde o mais considerado vestibular do Brasil selecionar trogloditas de tão fino trato? Como podem os futuros zeladores da saúde e do bem-estar comum não cultivar nenhum apreço pela dignidade do próximo? E como podem, pior ainda, tão venerandos mestres e tão generosos pais proteger uma corja de bárbaros — que amanhã poderão vitimar seus protegidos em "confraternizações" similares?

American Boys

Dentro desse universo, entende-se, igualmente, os pistoleiros colegiais que massacraram seus colegas de classe da Columbine, nos Estados Unidos. Embriagados pela energia da própria idade, entorpecidos pela lógica do videogame e das façanhas cinematográficas, aprovados pela mídia e por parents ou ausentes ou acovardados, quiseram ser "heróis" por um dia — vingando-se de seus inimigos etários: a Escola e seus quadros; suas derivações hierárquicas e seu status quo.

Num país em que o consumidor pode mais que The Almighty God, e num país em que a liberdade individual é mais do que um dogma, — é de se esperar que engenhosos débeis mentais, munidos de um respeitável arsenal particular (adquirido na mais absoluta legalidade), ponham a mais potente nação do globo em polvorosa. 

Puericentrismo

A Terra não gira em torno do Sol. Descobriu-se: gira em torno do Jovem.

Sempre houve rebeldes. Sempre houve desajustados. A diferença, logo, reside no alcance e no delírio desses mini-monstros que brotam lá e cá. Afinal o juvenil de hoje encontra-se numa melindrosa posição: desfruta de todos os direitos — sendo que não cumpre nenhum dever. A corrupção, nesse caso, se não for parcial, será então fatal. E irrecuperável.

É preciso impor limites. Se crianças e adultos têm horários, obrigações e códigos particulares, por quê não os jovens?

J. D. Borges