Mais de Cento e Sessenta Milhões de Ronaldinhos

"O Ronaldinho não lembra de nada. Tudo o que ele sabe foi contado por nós."

(Lídio Toledo, Folha de S. Paulo, 20 de julho de 1998.)

Seremos também nós, brasileiros, mais de cento e sessenta milhões de Ronaldinhos?

Afinal, nada sabemos; de nada soubemos ou saberemos. Afinal, tudo o que lembramos (e lembraremos) nos foi contado pela CBF, pela FIFA, por Zagallo, pela Nike, por Toledo, por Dunga e seus amiguinhos.

O Ronaldo original, originário e pioneiro é jovem, ingênuo e inexperiente — em suma, pouco vivido. Pôs o rabo entre as pernas e sente-se, ainda, inequivocamente abatido.

Fica justificada, portanto, a sua atitude resignada. Tímida perante os tentáculos impiedosos e letais do Poder Imperial. E da Imprensa, persecutória, malfadada e, como dizem, "bandida".

Mas, e nós? Seremos assim tão simplórios? Seremos igualmente submissos? Iludíveis nas mesmas bases? Engoliremos, com passividade, mais esse sapo gordo e intragável?

Interpretações oficiais insistem na glória do segundo lugar, da medalha de prata e na grandeza de quem é vice. Cobre-se, então, uma suspeita nojenta e mal cheirosa com uma vitória argêntea, argentina.

Nosso presidente aplaude e homenageia os jogadores — aclamados por populares, em Brasília. Ronaldinho posa com La Werner em Jacarepaguá — provando que nada abala o romance e o matrimônio em vista.

Edmundo, com delongas, sugere mistério no ar. Gonçalves fornece descrições escatológicas da convulsão dirimida. Zagallo, afirmando-se "macho", garante que, se pudesse no tempo voltar, os mesmos erros táticos, técnicos, pessoais e psicológicos cometeria. Já Toledo, sobre o mesmo episódio, conta uma história nova a cada dia.

E nós? Nós assistimos ao circo montado e, como os referidos correligionários de FHC, aplaudimos.

Na Internet, falam em trama internacional, em conluio entre França, Nike e FIFA. Ainda que para isso corrobore nossa tradição corruptora, corruptível, não acredito que a seleção canarinho — por si só incompetente, aparvalhada e aturdida — preocupe superpotências européias e industrias megagaláticas de artigos esportivos.

De qualquer jeito, os nossos internautas trabalham por uma explicação mais viável, mais aceitável do que essa que se apresenta espinhosa, indecente e pouco esclarecida.

Enquanto isso, cartolas de todos as tribos enchem a pança de dollars, falcatruas e calhordices. Enquanto isso, atletas que alternaram eventos publicitários, churrascadas e — às vezes — jogos decisivos, descansam em férias prolongadas e imerecidas. (Daqui a pouco começa um desses campeonatos italianos e todos tem de estar "em cima".)

Enquanto isso, médicos que forneceram laudos fantasmas e remédios por eles mesmo desconhecidos circulam altivos, emitindo opiniões com probidade e autoridade típicas dos maiores especialistas. Enquanto isso, jogadores aposentados assumem cargos na CBF, para variar, vitalícios.

E nós? Mais de cento e sessenta milhões de ronaldinhos...

J. D. Borges