Crises na Sociedade Universitária

"Nenhum estímulo é dado para a reflexão pessoal e original. Mais do que isso, desaconselha-se vivamente qualquer veleidade de proceder a uma elaboração crítica do próprio pensamento. Exerci uma influência certamente nefasta sobre meus alunos na USP, na medida em que eu defendia essa proposta."

(Oswaldo Porchat Pereira, Filosofia da USP, revista Livro Aberto, agosto de 1997)

Nos últimos meses, a greve das Federais deu vazão a inúmeras elucubrações acerca do sucateado Sistema Educacional Brasileiro. De um modo geral, a meditação se concentrou nos aspectos contratuais e hierárquicos do ensino superior.

Todavia, mais alarmante do que a maculada estrutura empregatícia é a obsolescência patente de todo um modelo educacional, que sofre pelo excesso de parcialidade, de passividade e de parcimônia — por parte de docentes e discentes em todo o país.

Professores acusam alunos de desinteresse, enquanto alunos acusam professores de descaso. Professores classificam alunos como imaturos, enquanto alunos classificam professores como despreparados. Professores chamam alunos de incultos, enquanto alunos chamam professores de desinformados.

E a sociedade, como vítima e algoz desse estado de coisas, ingenuamente, sugere paliativos para uma situação que exige, no mínimo, medidas drásticas.

Crise da Especialização

O Brasil, em seu atraso histórico, ainda aposta no falido "modelo do especialista" que, com a chegada da globalização, não diz mais absolutamente nada. Já professavam Butler e Mayo, "specialista man who knows more and more about less and less."

O mundo atual clama por profissionais de horizontes largos, de habilidades múltiplas, de formação diversificada. Mas este nosso país de cegos e surdos persiste na tecnicidade, nas carreiras isoladas, nos cursos estanques. Quem faz Exatas, ignora Português; quem faz Humanas, ignora Matemática. Aqui, advogados não sabem calcular, médicos não sabem raciocinar e engenheiros não sabem escrever.

Enquanto países inteiros abrem suas portas para outras realidades, as faculdades brasileiras optam por isolar-se num pobríssimo microcosmo. Pouco se estimula a integração, a rotatividade e a experimentação — todas obrigatórias na vida universitária. Muito se reforçam as opiniões prontas, os pontos-de-vista autoritários, a aceitação pela fé em venerandos mestres — não pela arduidade do verdadeiro pensar.

Crise do Conhecimento

Ainda não se percebeu que acumulação pura e simples de teorias acabadas, de provas irrefutáveis e de conclusões universalmente consagradas — não contribuem para a formação do indivíduo. Para esse fim, foram inventadas as bibliotecas, as bases de dados, os computadores e a moderníssima Internet. Informação bruta tem valido cada dia menos!

Desgraçadamente, no Brasil, o saber se transmite por herança. Não pela busca individual do conhecimento. Indefectíveis professores impõe suas visões de mundo e alunos vassalos tratam de aceitá-las, propagando falso conhecimento ao redor.

O questionamento, a discussão, o embate intelectual, infelizmente, não figuram do programa das renomadas faculdades daqui — contrariamente a todas as tendências de mercado. Afinal, do profissional do futuro, exigir-se-á uma tomada de decisão cada vez mais fremente, uma adaptabilidade a cada minuto mais constante.

E o nosso recém-formado não sai pronto para pensar, para deliberar por si mesmo; sai, outrossim, versado em sistemas ideológicos prontos e em simplificadores manuais. 

Crise da Carreira

Como um grande diploma não mais garante uma boa colocação no mercado, toda a justificação em torno do esforço de quatro, cinco ou seis anos de estudo se perde no caminho da dúvida, da frustração e do desalento — freqüentes dentre os alunos de quase todos os cursos do ensino superior.

Hoje em dia, ninguém mais carrega a convicção da própria profissão, da própria escolha, como ocorria há décadas atrás. Finda a graduação, poucos os que não procuram uma complementação em outra faculdade.

Crise Geral

Por fim, de quem é a culpa? Quem atravanca o progresso? Quem atrasa a prosperidade? É a sociedade que influencia a universidade? Ou é a universidade que influencia a sociedade?

É preciso romper com as amarras, com o excesso de limitações, com a inércia da falta de mobilidade. Os brasileiros precisam se mexer. Os alunos precisam se fazer ouvir, precisam reclamar e, sobretudo, precisam participar do processo decisório. Os professores precisam ouvir, precisam se reunir, precisam discutir e reavaliar toda uma estrutura por demais atrasada.

E a sociedade precisa fiscalizar, precisa viabilizar, precisa meditar sobre um assunto que, se varrido pra debaixo do tapete, vai jogar o Brasil cada vez mais pra dentro do buraco.

J. D. Borges