Céus! Como pudemos acreditar que ganharíamos o disparatado Oscar?

O brasileiro é engraçado. Embora se auto-intitule malandro, esperto, malicioso e muito vivo, quando resolve torcer para alguma coisa, faz fé até nas maiores impossibilidades. Embora tenha todos os motivos históricos, políticos, sociais e pessoais para ser o maior dos céticos, o brasileiro, seja por ignorância, seja por ingenuidade, inexperiência ou falta de razão, em certas campanhas a favor de seu país, tem a desfaçatez de vestir a camisa do crédulo profissional. Como uma criança que nasce agora.

E isso é geral. Acontece em todas as províncias, capitais, círculos, rodas, varrendo todos os extratos e amostras populacionais que se possa selecionar. Quer um exemplo? Poucos, pouquíssimos os que desligaram o televisor no último domingo, à noite, sem sequer dar uma espiadela no que se passava nos bastidores, na entrada principal e no palco do Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, por ocasião da Septuagésima Primeira cerimônia de entrega do Oscar. E raros, raríssimos os que, não velando por Fernanda Montenegro até as duas da madrugada (de segunda-feira), não tenham, na manhã seguinte, folheado o jornal, não tenham ouvido o rádio, não tenham procurado saber, ainda antes de trabalhar, afinal, quais os vencedores das categorias em que concorria a equipe do nosso Central Station.

Nós, brasileiros, somos realmente formidáveis. Nesse tempo todo, acreditamos piamente que alguma estatueta viria, mesmo depois da marmelada na França, na final da Copa do Mundo de 1998, em que virtualmente vendemos um dos nossos maiores símbolos nacionais, o futebol; mesmo depois da ficção, da falsa estabilidade, da vaporosidade de uma moeda que sugestivamente, por quatro anos, chamamos de "real", tendo baseado nela, os nossos projetos, nossas esperanças, nossos sonhos de justiça e de prosperidade; mesmo sabendo que nesse tipo de evento americanóide, como é o Oscar, nada sai do script, nada sai dos conformes, não existindo premiações de obras e/ou artistas reconhecida e absolutamente meritórios, mas sim louvações àqueles que temporariamente detêm os recordes de bilheteria, ou que podem vir a prover, as grandes distribuidoras de Hollywood, do vil metal.

Ah, o vil metal. Ainda que Deus seja brasileiro, o Dinheiro — que é quem efetivamente manda e desmanda na Terra (e, desde a Reforma, também no Céu) —, o Dinheiro não o é. Nasceu em dólar, e lá nos Estados Unidos da América. Quer queira, quer não, temos uma longa caminhada até que consigamos compreender-lhe os mecanismos, os segredos, os caprichos e as vontades. Rebelde, coloca-nos em grandes e constantes enrascadas quando ameaçamos entendê-lo, produzi-lo, controlá-lo e — sobretudo — direcioná-lo para realizações mais altruístas, de cunho pretensamente humanitário, bem ao gosto do populismo e da tradicional patriotada.

Era esse o álibi daqueles que, entre conscientes e embriagados pela iminente glória cinematográfica, diziam-se entusiastas das conseqüências benéficas do prêmio: — "O Oscar é insuportavelmente comercial; mas e daí? É necessário!". Projetaria, segundo eles, nosso novíssimo cinema novo em escala mundial.

Se assim não fosse, como então explicar a adesão quase total dos costumeiros desiludidos a esta causa que, agora enxergamos nitidamente, já estava, há muito, perdida?

Possivelmente, crêem eles (os entusiastas) na bondade humana, na consideração e na isenção daqueles que votam e que compõem a mais que bajulada "Academia". Depois de tantos desacertos, favorecimentos e protecionismos, como puderam os nossos formadores de opinião alimentar a certeza de que os "acadêmicos", num momento de iluminação inédita e divinal, olhariam para aqueles pobres esfaimados do Brasil e, num ato de suprema dignidade e colossal desinteresse, premiariam Walter Salles, Fernanda Montenegro e Vinícius de Oliveira?

Como?

Como? se, a apresentadora Sophia Loren (sintomaticamente uma italiana) — a mesma que nos laurearia com o Oscar de melhor filme estrangeiro — fez, em pleno cerimonial, uma deslavada propaganda, com direito a trailer e entonação pronunciada, de "A vida é bela" e de Roberto Benigni, segundos antes de destinar-lhe a primeira de uma série de sisudas e aborrecidas estatuetas? Como? se Steven Spielberg — noticiado detrator da comédia sobre o Holocausto, o mesmo que dias antes ameaçara abandonar a sessão no meio do filme — de repente, se punha a cumprimentar efusivamente o mesmo Benigni que, naquele instante, lhe pisoteava a cabeça (a fim de alcançar a ribalta pelo caminho mais chamativo e complicado)? Como? se Robert De Niro — o mesmo que encenara o dramático "Culpado por Suspeita", em que se condena o Macarthismo e o Comitê de Atividades Anti-Americanas — entrega emocionado uma homenagem ao colaboracionista e delator, hoje octogenário, Elia Kazan?

"Como?" — poderemos indefinidamente perguntar.

E a resposta está na nossa imensa miséria interior. Anda tão escasso o nosso amor-próprio que só acreditamos que somos suficientemente bons, suficientemente aptos, suficientemente respeitáveis quando nos congratulam "os de fora", quando nos reconhecem "os mais avançados", quando nos aprovam "as civilizações de verdade".

Continuamos tão primitivos quanto antes, adorando, como os índios da Colonização, os mesmos espelhos e os mesmos totens de valor irrisório. Enquanto isso, nossas riquezas vão sendo escoadas para outras metrópoles; quando não apodrecem sob o sol da nossa incrível incapacidade de valorizar o que é nosso.

Unica e exclusivamente nosso.

J. D. Borges