Reflexões sobre a propalada "Guerra dos Sexos"

Tema recorrente e insolúvel, a discussão em torno das singularidades que diferenciam homens e mulheres é sempre prato cheio para curiosos e estudiosos das relações humanas — ajudando a vender muita revista, muito jornal, muito livro, muito blá-blá-blá e muita charlatanice. A ponto de despertar indagações acerca dos reais propósitos que norteiam essas iniciativas brejeiras.

Começando pelo sempre inevitável título "Guerra dos Sexos". Se existe, verdadeiramente, uma "guerra", se existe um "conflito", uma "discordância", que seja, é preciso tratar de minorar o problema — e não de intensificá-lo ainda mais, alimentando o coro dos insatisfeitos e anuviando as mentes daqueles que sofrem desse mal. Se a ênfase for dada aos comportamentos patológicos de "homens machistas" e de "mulheres feministas", incita-se a competição e o afastamento entre os grupos, não a concordância e o entendimento.

Outra premissa nociva ao diálogo entre as partes é a de que todos os homens podem ser considerados "homens-padrão" (infiéis, impassíveis, ausentes), bem como todas as mulheres podem ser consideradas "mulheres-padrão" (fantasiosas, simplórias, tradicionalistas). Como se não houvesse matizes intermediárias produzidas por dosagens não-triviais de "feminilidade" e de "masculinidade" em cada um dos sexos.

Nas ocasiões em que se aborda o tema na mídia, infelizmente, os estereótipos se impõem com tal força que toda e qualquer veleidade no sentido de incentivar a doçura, a sensibilidade e a constância — nos homens —, a praticidade, a sensatez e a ousadia — nas mulheres —, é sufocada logo no início do debate, revelando-se quimera vergonhosa e imperdoável, no final do mesmo.

Tome-se os principais tópicos da enquête mais recente a respeito do tema.

Sexo

É sabido e notório que "machos", em geral, tendem a banalizar a experiência do sexo — dado o ditame biológico que apregoa fecundação intermitente, dispersa e a qualquer preço. Se qualquer adolescente pode asseverar tal preceito, e se qualquer adulto pode sacramentá-lo, de que serve, então, o depoimento de um "bofe" radical que reafirma o óbvio e que — pior — intenta incutir o mesmo preceito na psique das fêmeas?

Talvez seja preciso mostrar-lhe o que não foi capaz de concluir em anos de larga e superficial experiência (com as mesmas fêmeas): elas jamais praticarão o "sexo pelo sexo", como tanto deseja o referido "bofe", — simplesmente porque nasceram mais seletivas, mais sossegadas e mais exigentes com relação ao ato que deu origem a toda a gente. Que tal sugerir-lhe que fizesse o mesmo, em vez de reservar-lhe lugar de destaque dentre os demais entrevistados?

Relacionamento

Para casos de traição entre namorados, "enrolados" ou cônjuges não existem regras. Infidelidades têm a sua ocorrência ligada a fatores individuais (maturidade, personalidade, preferências) e circunstanciais (lugares, pessoas, épocas). Portanto, qualquer tentativa de compor um sistema que explique, diagnostique ou cure vítimas e/ou protagonistas de episódios de traição, em menos de duas páginas, é tola e vã; para não dizer idiota e vexatória.

De que vale, então, contar a história de consecutivos insucessos de uma artista plástica que lamenta ter sido, por quatro vezes, "corneada", se ela mesma adota a política do "pé-atrás" — demostrando desconfiança para com seu par atual e abrindo, assim, um precedente para que o mesmo dê lá suas escapadelas e confirme as suspeitas, por ela, tão ardorosamente alimentadas?

Filhos

Não há na raça humana um único indivíduo que não tenha ansiado "reproduzir-se", constituindo algum tipo de família. Quanto a isso, não resta dúvida. O que nem todos concordam, no entanto, é com a constatação (não-teórica, empírica) de que nem todo mundo pode arcar com a responsabilidade de ter filhos. Pois nem todo mundo tem consciência do que isso representa; pois nem todo mundo esta disposto a consagrar sua vida em prol de sua descendência; pois nem todo mundo abdica do próprio egocentrismo, em favor de uma generosidade e de um desprendimento quase monásticos.

Pois nem todo mundo pode. Pois nem todo mundo deve. E ponto final.

Agora, alguém me diga, de que adianta trazer à baila um casal que, sem o menor escrúpulo, vem a público, "lavar roupa-suja", expondo os filhos e seus sentimentos, como se a disputa entre marido e mulher pudesse ser resolvida como se resolve uma partilha comercial, uma briga entre torcidas, ou um outro descompasso mais mundano? Se em todo esse tempo de convivência, esse casal não soube resolver suas diferenças entre quatro paredes, como pode colaborar para fornecer, aos espectadores da querela, alguma informação aproveitável?

Povos Bárbaros

É pena que iniciativas tão miseráveis, quanto essa, predominem nos veículos de comunicação do país — animalizando, ainda mais, um povo tão rico em prazeres sensoriais e tão pobre em intenções mais elevadas do espírito e da alma.

Ninguém quer uma terra só de Einsteins. Do mesmo modo, ninguém quer uma terra só de bárbaros, em que imperem os instintos bestiais.

Chega de exaltar a sacanagem.

J. D. Borges