American
Boy, American Girl, most beatiful people in the world
Beleza de Americano: o jogo de aparências; o casamento de conveniências mútuas; a filha que não se aceita em sua compleição; o filho desajustado que parte para a delinqüência; o pai sufocado pela rotina que se desvela em sonhos adolescentes; a mãe apegada a slogans e a símbolos que preenchem o vazio de sua ordinária existência.
Beleza de Americano, não: Beleza do Mundo.
O jogo de aparências. Permeia quase a totalidade das relações na sociedade contemporânea. Segundo os mais adeptos, não haveria realidade senão a aparência. (Vantagem: numa época em que o corpo não é mais a última fronteira, a aparência pode ser completamente forjada, a realidade não.) Por mais abjeta que soe a crença, está lastreada no culto à imagem. A imagem que se fez mensagem, interpretação e, mais grave ainda, verdade. A imagem não se discute, está lá, irrefutável, para quem quiser ver. Diante dela, de que valem meras palavras?
O casamento de conveniências mútuas. Personalidades antagônicas que não se conhecem, a não ser pela superfície (imagem), unem-se em laços de eternidade. Passada a ilusão, desfeito o encanto, as divergências afloram e a solução é que cada um crie o seu mundo particular, intercambiando necessidades e favores com o cônjuge, quando solicitado. Se o sujeito for minimamente cínico e hipócrita, sustenta esse teatro de bom grado. Afinal, por mais nojento que se apresente um casamento de fantoches, muito pior, no entender da maioria, é estar só ou, quando há filhos, sacrificar a integridade moral e emocional da prole.
A filha que não se aceita em sua compleição. Padrões de perfeição corporal, que se impõem dia a dia, tendem a transformar adolescentes, por natureza neuróticas, em histéricas da silhueta. Somada a aceitação, considerada baixa, nos meios sociais (a não ser para o caso de pequenas beldades), explode-se em mau humor, hostilidade e isolamento. A falta de comunicação e a incompreensão no seio da família gera então indivíduos complexados, inseguros e, pior, caricatos — perseguindo um ideal de formas físicas que não traz satisfação alguma, apenas engrossa as fileiras de mais adultos medíocres e estandardizados.
O filho desajustado que parte para a delinqüência. Na falta de diálogo, que ergue muros e se faz entender pela violência (verbal ou física), pais broncos ainda estão criando filhos na base da patada e da disciplina ferrenha. Crêem que um cidadão que aparentemente cumpra seus horários, suas obrigações e seus deveres éticos de homem de bem estará trilhando um caminho de segurança, honra e, principalmente, normalidade. Filhos mais astuciosos do que os pais, porém, podem projetar todos esses sinais de pretensa honradez e, ainda assim, violar direitos, corromper pessoas e cometer crimes — dentro da mais perfeita normalidade.
O pai sufocado pela rotina que se desvela em sonhos adolescentes. O que faz do homem, um homem? Suas conquistas amorosas, seu espírito irresponsável de aventura, sua impetuosidade e coragem para desafiar o status quo, seus projetos e paixões de inesgotável obsessão. O que faz de um homem, pater familias? Justamente o contrário: a fidelidade, a constância, a contenção e a moderação. Inevitável, portanto, que no switch entre uma posição e outra, um espírito supostamente livre se sinta acorrentado até o fundo de sua alma — extravasando sua frustração e nostalgia em rompantes esporádicos de rapazola.
A mãe apegada a slogans e a símbolos que preenchem o vazio de sua ordinária existência. Mal amadas e carentes, incontáveis as mulheres que se apegam a frases, a mantras, a explicações enganosas que, como tábuas de salvação, prometem conduzi-las até o ponto de equilíbrio mais próximo. Periodicamente aviltadas em sua feminilidade: ou encastelam-se em seus anseios de romantismo, de nobreza e de mocidade; ou, em pé-de-guerra com um mundo predominantemente masculino, incorporam-lhe os trejeitos e as barbaridades: materialismo, concorrência sem limites, autoritarismo, ostentação e insensibilidade.
Por essas e por outras que American Beauty, de Sam Mendes, não pode ser simplesmente mais um conjunto de clichês. O patético e o dramático na vida de milhões (talvez bilhões) de seres humanos está lá, reluzente na tela. Mensagem mais clara e direta não há. Talvez mais patético e mais dramático do que o que está ali tão bem representado, seja o fato de que espectadores tão ou mais ridículos não se reconheçam ou não reconheçam a realidade de tantos de seus semelhantes na vida e na morte de Lester Burnham. Uma pena.
Uma pena para eles, pois certamente perecerão
como protagonista desta comédia seriíssima.