Oígame, compay, no deje el camino por coger la vereda

Hoy siento gran emoción,
Voy a cantarle a mi tierra;
A esa famosa región
llamada ‘perla sureña’.”

Cuba parou no tempo e no desenvolvimento. Acossada pela ditadura e pelo preço do comunismo, isolou-se na pobreza e no lirismo de 40-50 anos atrás. Acredita-se que se possa criar beleza na falta de bens e de recursos. É a idéia que se passa pelas lentes de Wim Wenders e pela produção sonora de Ry Cooder, em Buena Vista Social Club. O filme e o álbum são declaradamente obras-de-arte, inspiradas menos no infortúnio material do que no talento musical, atualmente sem par, dos compositores e intérpretes da banda que se denominou “Afro Cuban All Stars”.

É plasticamente lindo ver Havana com seus carros da época de James Dean, com sua arquitetura que não viu nascer arranha-céus, com suas praias que não apodreceram pela degradação do turismo, com sua gente que não conheceu as modas e que hoje caminha pelas ruas cantando as mesmas canções do tempo de seus avós. Lindo em termos cinematográficos e, se quiserem, propagandísticos. Como realidade, porém, suaviza nos tons e cristaliza uma noção de que o capitalismo trouxe opulência e fartura, enquanto que roubou a alma de seus signatários.

Contudo, como o tiro que saiu pela culatra, a meca dos artistas de Cuba continua sendo Nova Iorque. Mesmo depois de décadas e de toda a demonização dos Estados Unidos, eles continuam perguntando: — “Quando é que vamos tocar no Carnegie Hall?”. Em algumas das mais espontâneas cenas do longa-metragem, aparecem fotografando e bendizendo os edifícios de lá, juntamente com as luzes, as vitrines, as calçadas — enfim, os monumentos maiores do livre mercado. Destaca-se também, não por acaso, a subida deles ao Empire State Building, a visão longínqua e tão simbólica da estátua da liberdade.

Entre a apologia da miséria e a condenação do business, fique-se com a Arte, que é o que indiscutivelmente importa. Viajar pelas teclas do piano, pegar carona com os dedos leves e ágeis de um Don Rubén González — enquanto que se dança o ballet das meninas cubanas. Embalar-se na voz de um Ibrahím Ferrer, o maior cantor que nunca o foi, e na sua singeleza — ao tratar de temas tão universais quanto vida, morte, religiosidade e passado. Alimentar-se da impressionante energia sexual de um Don Segundo, el Compay — apoiar-se na sua rouquidão e na sua longevidade. Sorrir e partilhar da alegria e do entusiasmo de uma Omara Portuondo, em sua relação respeitosa com pessoas do povo — enquanto domina públicos tão exigentes quanto os de Norteamérica y de Europa. Em suma, louvar e prestigiar quem ontem recolhia moedas ou engraxava sapatos, e que hoje consagra-se pelo mundo afora, em apresentações e espetáculos — com as mesmíssimas doçura e graça.

Antes que se embarque na esperança de vê-los em ação, o narrador suspende o encanto e corta. Era aquele o último show da banda.

Tem-se, não obstante, para apreciar, todo um legado de música popular que se revela em sua superfície, e que implora por um resgate. Toda a riqueza de uma poesia de palavras e de sentimentos que não se usa mais: “Herido de sombras / por tu ausencia estoy. / Sólo la penumbra me acompaña hoy. / Sin destino fijo / como el humo voy / surcando el espacio / buscándote estoy. / Tal vez no te encuentre, / quizás te perdi para siempre, amor.

Toda uma diversidade de instrumentos e de executantes. Toda uma escola de ritmos e de arranjadores que, além de desovar impecáveis discos de conjunto, desdobra-se em quantos forem os trabalhos “solo” de seus integrantes — sem prejuízo para o ouvinte mais atento e experimentado.

Em resumo, uma geração inteira perdida, ignorada e brilhante. Estrelas do extinto e inexistente Buena Vista Social Club — que, retornadas do oblívio, vêm iluminar a longa noite de mediocridade e de platitudes em que se transformou o circo da música pop.

É bem capaz que platéias tão afogadas no consumo do artificial e do novo não os compreendam, mais uma vez, em sua mensagem — transformando seu esforço de ressurreição em mais um espasmo de inteligência derrotada, nesse mar invencível de estupidez e imbecilidade.

Nunca se sabe.

J. D. Borges