Max, Andreas, Igor e Paulo

É imprescindível que a juventude tenda para a imitação, a idolatria e o fanatismo? Na fase do grupo, a necessidade de identificação com uma “figura mítica” deve se impor à personalidade do indivíduo em formação? Bons-exemplos e maus-exemplos são determinantes na consolidação do caráter e das realizações de jovens que insaciavelmente experimentam o mundo? Os valores, os princípios, a ética da infância valem alguma coisa, ou as influências da adolescência têm primazia sobre o que pensa e sente o juvenil de hoje, adulto de amanhã?

Respostas surgirão, de todos os lados, sobre a prevalência desta ou daquela etapa da vida humana. Testemunhos de quem perdeu o fio da meada na juventude, ou de quem jamais superou um trauma de infância, provarão que ambos os momentos são fundamentais e que atravessá-los com equilíbrio, criatividade e inteligência é a chave para um passeio menos turbulento pela idade adulta.

Contudo, para aqueles que acreditam em caminhos previamente traçados, cruzados e costurados, não adianta fugir de obrigações e sofrimentos ditos “cármicos”. Mesmo para quem foi bonzinho e bem comportado, na infância e na adolescência, para todos sem exceção, é sempre payback time. E até a próxima encarnação...

Toda essa ladainha psico-espiritualista apenas para introduzir um fenômeno jovem que o Brasil ignorou ou, mais deliberadamente, quis ignorar. A história de três rapazes de Minas e um de São Paulo que dominaram o cenário musical planetário de seu tempo e que marcaram corações e mentes de juvenis ao redor do globo (muito mais que os nossos intelectuais politizados, muito mais que os nossos artistas engajados, muito mais que os nossos educadores de plantão). Sem background, técnica ou prática em psico-qualquer-coisa, conquistaram a juventude globalizada (antes da globalização), na base da vontade e de um extraordinário feeling — imprimindo um modo de ser, uma “atitude”, uma forma de encarar a “juventura”, enfim, um way-of-life.

Muito antes dos musicólogos, nossos rapazes perceberam que música jovem é ritmo, antes de tudo. Depois, talvez, letra, melodia e harmonia, dependendo do caso. Foi, portanto, na esfera do ritmo que eles fizeram sua peculiar revolução, desbancando e sobrepujando suas próprias admirações de começo de carreira, ainda com pouco mais de vinte anos de idade. Chacoalhando o universo da percussão e legando ao seu estilo um dos maiores bateristas de todos os tempos: um brasileiro. Em experimentos mais ousados, foram buscar, nas raízes indígenas do país, inspiração para incursões que denominaram “tribais” e que ecoaram nos quatro cantos da Terra civilizada.

Por razões menores de estética e de preconceito puro, foram continuamente barrados nos conservadores canais de comunicação do Brasil, limitando-se a galgar os degraus disputadíssimos da consagração mundial em língua estrangeira, como talvez só a Bossa-Nova e Carmem Miranda tenham logrado há décadas atrás. The Jungle Boys, como foram apelidados, adquiriram uma respeitabilidade tal que, dentro da relação mestre-discípulo e mantendo as proporções da época e dos fatos, equivaleria a ver João Gilberto gravando disco com Chet Baker, ou mesmo Cole Porter participando de jam session em casamento de Tom Jobim.

Sim, eles “detonaram” tudo, ainda que por aqui poucos tenham visto ou ouvido falar. Os privilegiados que acompanharam a saga toda e festejaram com esses quatro talentosos rapazes, nutriram-se de um orgulho e vivenciaram uma glória para o Brazil que poucas gerações tiveram chance de compartilhar. A marca de cada passo, de cada menção, de cada palco antológico, de cada platéia, de cada álbum, de cada evolução, e de cada detalhe, sempre dividido entre os fãs com muita generosidade. Tudo devidamente impregnado na lembrança dos jovens de ontem, adultos de hoje, amadurecidos e, quem diria, cheios de responsabilidades.

E foi com grande lamentação que se recebeu a notícia definitiva de que os rapazes haviam realmente se separado. Egos para um lado, egos para o outro, vaidades exacerbadas, orgulhos feridos, assistiu-se ao rompimento fatal dos dois irmãos mineiros, que formavam o núcleo e que, constituídos em duas novas e esfaceladas metades, jamais assistirão aos dias esplendorosos em que reinava o todo, o uno, a verdade.

Mas tem sido assim, na música. De repente, a razão de ser do conjunto se desvirtua completamente e não há porque continuar com uma armação que é uma farsa.

Em todo caso, fica a energia e a força de um tempo e de um grupo. Um grupo que, apesar dos cabelos compridos, apesar das figuras endemoniadas, apesar das roupas escuras, apesar das mensagens viscerais, deixou lições de vitalidade, de obstinação e de amor ao Brasil, como poucos.

Um grupo que mereceu biografia de André Barcinski.

Um grupo chamado Sepultura.

J. D. Borges