Sinatra e a morte da elegância

My funny valentine, sweet comic valentine, you make me smile with my heart. Your looks are laughable, unphotographable, yet you’re my favorite work of art. Is your figure less than greek, is your mouth a little weak, when you open it to speak, are you smart? But don’t change a hair for me, not if you care for me. Stay little valentine. Stay. Each day is valentine’s day.

A elegância morreu.

Duas guerras mundiais, algumas tantas ideologias (falhadas), o caráter estritamente venal de pessoas e commodities, o fluxo brutal de informações ao redor do globo — espalharam o ceticismo e o desencantamento, a desconfiança e a incerteza, a culpa e o medo. Emergindo, então, em profusão, artificialismos, manuais e regulamentos, sobre como acordar, como dormir, o que comer, o que dizer, o que escolher, o que pensar — enfim, como “ganhar” ou, mais realisticamente, como “não perder”.

Acuados pelas catástrofes e pelas premonições, os seres humanos se mostram eriçados e irritadiços quando do sincero aperto de mão, quando de um contato puramente afável, quando do “bom-dia” verdadeiro e desinteressado. Afinal de contas, isso lá existe?

Por quê você está aí sentado, parado, sorrindo? Olhe as crianças passando fome na África, olhe a AIDS devassando nossos lares e nossas famílias, olhe as disputas em torno das religiões, dos territórios e do business, olhe a juventude e os viciados se esvaindo nas Drogas, olhe a pobreza endêmica, olhe a corrupção e olhe os países subdesenvolvidos, olhe a Terra morrendo, olhe a superpopulação, olhe a mendicância, olhe o baixo valor da Vida, olhe os crimes, olhe os acidentes, olhe as mortes, olhe como somos miseráveis e olhe como, de repente, ficamos todos sem saída.

Olhe, não sorria.

Assim, desse jeito, mataram a poesia. Somos reféns dos barbarismos, da penúria e das desgraças — mesmo que a milhas do nosso dia-a-dia, mesmo que nunca nos atinjam de fato, mesmo que irremediáveis, incompreensíveis, mesmo que intrínsecos e inseparáveis do homo sapiens e de tudo o que ele já tentou construir.

Não há, portanto, atitude mais nobre e mais enaltecida, hoje em dia, do que posar de cabisbaixo e taciturno, ligado e concentrado nos males e no peso do Mundo. Que história é essa de lirismo? Temos que eliminar os excessos, temos que focar no que efetivamente importa, temos que salvar a pátria e, ao mesmo tempo, garantir o nosso lugar ao sol. Por favor, saia da minha frente que eu estou ocupado, atrasado e não tenho paciência para esse tipo de filosofia.

Por isso o deleite provocado por um disco perdido de Sinatra. Por isso a nostalgia e a saudade de uma época em que, malgrado os problemas da existência, ainda se acreditava na espontaneidade, no momento e na força do estilo. Sem interesses subalternos, sem urgências soberanas, sem a pretensão de querer agradar a todos e, principalmente, sem a dúvida hamletiana do to be or not to be.

Sinatra. Ame-o ou odeie-o. Como cabe ao Grande Homem. Sem concessões, sem submissão, sem arrependimentos. Ser homem até o fim — para além das más-línguas, para além das conseqüências, para além da Arte, para além da posteridade, para além do estrelismo.

E sempre com elegância.

Hoje, ao contrário, queremos estar sempre “no meio”. Entre um e outro, entre esse e aquele, entre o passado e o presente. Sem radicalismos. Com comedimento, com contenção, com moderação. Sem ferir suscetibilidades. Com muito cálculo, com muito planejamento, com muito cuidado.

Na ética da concordância, qualquer vestígio de identidade deve ser abolido. Assim, por tabela, vai também o charme e o brilho pessoal de cada indivíduo. Na corrida pela ovação e pela aceitação irrestrita, quanto menos opiniões você tiver, melhor; quanto mais maquinal e hipócrita você for, mais querido e popular você será; quanto mais parecido e quanto mais igual, tanto mais você vai agradar e tanto mais você vai se dar bem na vida.

Aos que não concordam com essa situação fastidiosa, de temeridades e de aversão ao risco, resta trabalhar para que se abandonem os protocolos, para que se soltem as amarras e as camisas-de-força do sucesso e das receitas de felicidade eterna. A fim de que rompam no céu, novos monstros de personalidade e de imperfeição, a fim de que, mais uma vez, se possa experimentar o gosto do carpe diem e das marcas que ficam na carne, no corpo, na alma e no espírito.

Sempre com elegância.

J. D. Borges