A técnica e a literatura

“O principal conhecimento que se adquire lendo livros é o de que poucos livros merecem ser lidos.” (H. L. Mencken)

Já não bastasse a escola ter gerado a repulsa à leitura  ao adolescente, recomendando livros inadequados à idade ou simplesmente medíocres, o brasileiro jovem precisa enfrentar outra confusão durante o curso superior. Obrigado a ler livros técnicos de administração, marketing, engenharia, informática, etc., etc., deixa de lado Conrad, Hemingway, Huxley,  Fitzgerald, Dostoievski, Mark Twain, iludidos de que o que importa é ler, seja lá o que for. Com preguiça para encarar o preconceito desenvolvido na escola, defende-se, quando convidado à leitura prazerosa, alegando já estar ocupado com literatura.

A leitura técnica obrigatória ocupa tempo de qualquer estudante, assim como a academia, o jiu-jitsu, o seriado meloso, os trabalhos em grupo, etc., etc. Não lê Conrad quem não quer – ou não sabe o que está perdendo. Mas a confusão fica séria quando um professor, mesmo que bem intencionado, recomenda a leitura de um livro de engenharia financeira aos alunos que não conseguem articular seus pensamentos no papel. Para ele, qualquer tipo de leitura, de bula de remédios a James Joyce, ajudará os desarticulados a se expressarem correta e coerentemente. Não é à toa que existe tantos adultos que lêem tanto tão ignorantes. Livro técnico não é arte, não é expressão das profundezas do espírito em palavras, não é a verdadeira literatura, a única que pode esclarecer os conflitos internos que desnorteiam os jovens.                                                             

O professor talvez não ignore algo tão óbvio, mas a simplificação barata confunde qualquer jovem interessado em se iniciar no mundo das letras. Sem se preocupar em entender o verdadeiro motivo da desarticulação juvenil, o professor, em análise imediata, acha que uma leitura de manual de redação resolveria o problema dos iletrados – mesmo não tendo resolvido nem o problema dele, que considera um texto de livro financeiro exemplar e comete erros crassos de português, que o reprovariam em qualquer vestibular razoavelmente exigente. Que ele leia quatro livros por semana e escreva como escreve não é um problema de simples limitação mental, mas mais uma prova de que o fato de ler em quantidade não significa absolutamente nada, que se pode ler e continuar culto como uma porta – ou, se preferir, como outro professor doutor que escreve “rítimo”, “previlégio”, etc. Se técnica fosse a solução, o computador, com sua função de correção ortográfica automática, resolveria grifando escandalosamente as palavras digitadas erradas. 

Escreve mal quem pensa mal. Pensa mal quem lê mal. A desarticulação do jovem na hora de se expressar em palavras nada mais é do que reflexo de sua confusão mental, de sua esquizofrenia por trás dos comportamentos imitados e repetidos com a confiança que a mídia lhes incumbe. Esquizofrenia que não é fruto do desconhecimento técnico, seja da gramática seja de finanças, mas da profunda ignorância de questões humanas básicas, que incomodam constantemente o cérebro e o espírito de qualquer pessoa lúcida. A arte, como expressão tangível dos grandes espíritos, e a literatura, como uma das expressões artísticas mais refinadas e profundas, podem iluminar esta obscura, aflitiva e solitária busca pelo labirinto do auto ( e alto) conhecimento. Busca penosa, mas deliciosa quando estamos bem acompanhados. Quem preferir ir sozinho, que leia, depois do livro de engenharia, manual de auto-ajuda.

Eduardo Andrade de Carvalho

Eduardo Andrade de Carvalho mora em Sao Paulo, cursa Historia na USP e Administracao de Empresas na EAESP/FGV.