Contos Conforme conto no primeiro Curriculum Vitae que escrevi para este site, comecei minhas atividades de escrevinhador com um diário que adquiri lá pelos idos de 1991. Relatava então minhas vivências e minhas impressões juvenis. Era, no entanto, uma atividade solitária — no sentido de que eu não pensava dividir aquilo com mais ninguém. Pode-se dizer que os contos continuaram essa intenção. A diferença é que, com os contos, eu passava a dividir meus pensamentos e minhas visões com alguns amigos e leitores. Não é à toa que o fim dos diários, em 1995/1996, coincide com o aparecimento dos primeiros contos, na mesma época. Nos contos autobiográficos ou semi-autobiográficos, eu tencionava destrinchar minhas experiências com o sexo oposto, de uma forma um tanto quanto desavergonhada e explícita. Assumindo, inclusive, um tom de deboche e de pilhéria que reflete o approach típico da idade à problemática. Portanto, não há como tomar esses textos tão a sério quanto as crônicas, os artigos e os ensaios que vieram posteriormente. Assim, pode acontecer, e já deve ter acontecido, de alguém ler uma produção elevadíssima no campo da filosofia e, de repente, no mesmo site, topar com uma descrição adolescente de um encontro entre um homem e uma mulher. No caso dos contos de ficção, é provável que eu tenha me inspirado nas minhas leituras de Stephen King, Clive Barker, Isaac Asimov magazine, e na minha coleção incomensurável de histórias em quadrinhos (Sandman, Monstro do Pântano, Batman, Watchmen, Homem-Aranha, X-Men, etc.). De 1988 até mais ou menos 1995, eu fui um consumidor ávido dessas narrativas fabulosas e fantásticas. É natural, portanto, que elas tenham ecoado nas minhas primeiras incursões em ficção. Quando inaugurei esta
homepage, criei a seção "Contos" um tanto quanto atabalhoadamente,
despejando nela, por ordem cronológica, todas as minhas histórias, sem
qualquer classificação prévia. Fiquei, obviamente, devendo esta introdução
que, imagino, esclarece melhor a origem e o desenvolvimento desses trabalhos.
Segue, assim, uma abordagem mais específica de cada uma dessas produções.
Espero situá-las corretamente no contexto e no corpus do que posso
chamar de minha obra. Afinal nós, homens, não somos de ferro (1995) Esse conto foi uma espécie de resposta a um texto do meu amigo e colega de Poli, Pi, o Pedro Luís Bello Daldegan. Ele me contava sempre dos seus filmes, curtas e médias amadores, e dos seus escritos, em sua maioria roteiros para cinema. Dividíamos o gosto por literatura de ficção, enquanto trocávamos sugestões de leitura e trabalhos entre nós. Nessa altura eu já havia desovado uma quase-história, que nunca terminei, para o extinto periódico “Balela” (fundado em conjunto com Rafael Gomez e Daniel Abdo Weishaupt). Nessa “quase-história”, eu fazia um apanhado dos meus desencontros com uma musa da época. Lembro de como foi difícil compor a narrativa, principalmente no que se refere a tempos verbais (algo que se nota desde o primeiro parágrafo). A quase-história continuaria, numa segunda e última parte, na edição seguinte do “Balela” (edição que nunca houve). Voltando ao meu amigo Pi, ele me emprestou um conto que acabara de escrever, a fim de que eu fizesse minha apreciação. Chamava-se “O coveiro que sabia quando cavar”. Peguei-o de manhã e, quase sem perceber, passei a tarde inteira a “corrigí-lo”, remendando trechos e trocando palavras. Então parei e conclui que muito mais proveitoso seria trabalhar em algo totalmente meu. Assim nasceu “Afinal nós,
homens, não somos de ferro”. No fundo, uma historieta juvenil, lembrança dos
tempos em que borbulham os hormônios e a testosterona no organismo da mancebia.
Assim se apresenta e assim deve ser lido. Ao
mesmo tempo em que chacoalhavam dentro de mim os espermatozóides, eu sonhava
com amores celestiais, etéreos, românticos. “A Namorada do Luís” conta um
episódio que muito me marcou, protagonizado pelo meu melhor amigo de muitos
anos, o Cristiano — que roubou a namorada (que nunca foi) do Luís Fernando.
Como participei ativamente de cada lance da conquista, transformei a epopéia
imberbe em relato de memória em primeira pessoa. Esse
conto as moças de boa família podem ler sem medo, pois trata de anseios
angelicais de um jovem impudico. No caso, eu. As coisas começam a ficar mais interessantes em “Postmortem”, que impressionou vivamente meus compadres de letras. No Curriculum antigo, eu digo que a derrapada do meu Ford Escort foi um fator crucial para a sua composição. Hoje tenho lá minhas dúvidas. Na verdade, acho que misturei uma noção muito minha de que, após a morte, voltamos a um certo lugar para prestar contas. Depois, a possibilidade de voltar a viver, fazendo escolhas prévias do que se quer para essa nova vida. Parece conversa de espírita, mas não é. Por fim, a fascinação que exala das trincas, dos trios, dos terços, do número “três” — aliada à indecisão e à incerteza típicas da nossa era. Sei que a descrição soa
um tanto quanto abstrata para quem não leu. Mas é essa a intenção. Esse
conto eu quero que vocês leiam, pois tive muito orgulho dele quando ele nasceu.
Vocês não sabem (ou sabem) da emoção de parir alguma coisa que fala, anda e
que, futuramente, tem vida própria. Calculo
que nessa época, o Gabriel Enrolador e as chances de publicação já rondavam
meus pensamentos. O Gabriel, como já contei (também no CV), era um
pseudo-editor que prometeu fama e fortuna a mim e ao Pi e que, depois,
desapareceu com o nosso rico dinheirinho. Hoje dirige uma escola ou um curso
para escritores, não sei ao certo, e continua ensinando uma coisa que já se
nasce sabendo. Enfim,
voltemos ao que importa. “Carta ao Álvaro” é pura ficção científica.
Tem boa parte daquela obsessão de querer voltar ou avançar no tempo (como se
os livros já não servissem para isso). Tem também a influência da típica
insegurança do jovem, que quer passar-se a limpo todo o tempo, pois vive com a
recorrente sensação de que não acertou. De
qualquer modo, é deveras engenhoso na sua forma: baseia-se no gênero
epistolar; cartas que o Álvaro do futuro manda para o Álvaro do passado.
Passa-se na prisão, embora eu não tenha sequer visitado uma. (Certamente uma
menção inconsciente ao Stephen King.) Vale pelo raciocínio e pelas hipóteses
que eu avento. O título eu escolhi pela sonoridade, que evoca “Tiro ao Álvaro”
de Adoniran Barbosa. Quem gostou do filme “De Volta para o Futuro” vai
gostar desse texto. Homem Digno foi outro que produzi na leva ficcional que o Gabriel ameaçava publicar. Inspirei-me numa notícia de jornal, em que um sujeito de boa família, aparentemente normal, abandonava tudo para, falido, mendigar pelo Brasil afora. Na minha história, o sujeito tem um irmão que vai procurá-lo, imbuído de uma missão digna e irrepreensível. Por isso o título: “Homem Digno”, que também, pelo som, evoca “O Mendigo”. (Um achado típico de professor de literatura, não é mesmo?) Contém considerações morais sobre a vida, as idades do homem, a sociedade — e, por isso, acaba sendo o conto mais “adulto” de todos. Lembro que tive trabalho para montar a cena final (que não vou contar senão vocês não lêem). Esse
é polêmico. Um tanto quanto machista, divertiu amigos e colegas. Eles se
identificaram com a situação, e com um certo tipo de “conceito”,
preconceito, embutido no texto. Reconheço, porém, que não é o retrato mais
correto que se pode fazer das chamadas “mulheres-objeto”. Ainda assim, negá-lo
seria como negar a mim mesmo — e, apesar de passado tanto tempo, não creio
ser honesto fazê-lo. Discussões
à parte, conta a história de um sujeito que indo em direção a um shopping,
encontra uma “baranga” no caminho e tenta agarrá-la a todo custo,
arriscando sua reputação de bom moço. Se vocês não sabem o que é
“baranga”, eu também não vou explicar pois é nessa definição que reside
toda a graça do conto. Leiam
e julguem por si próprios. Esse
é bem posterior: a dois anos da “Baranga” e a três anos dos demais. Quando
reuni meus contos numa coleção, chamei esse e o da “Baranga” de “Conseqüências
de Carnaval”, pois a tradicional festividade é citada em um e é cenário em
outro. “L'Avventura
Notturna”, o título, vem das minhas lições de italiano, quando eu estudava
essa língua bellissima. Narra as peripécias de um sujeito que, numa
ronda noturna, procura um sítio para seduzir sua amada. Tem também forte apelo
cômico pois as tentativas dele acabam, naturalmente, frustradas. Pelo
tempo e pelo amadurecimento, é o mais bem escrito e o mais trabalhado (longo)
de todos. Depois dele, eu tinha a intenção de escrever uma história de dez páginas,
por crer que tamanho é documento. Também planejava completar as “Conseqüências
de Carnaval” com uma terceira história, igualmente carnavalesca, cujo título
não vou revelar por ser censurável para menores de dezoito anos. Quem sabe um
dia, eu ainda a escreva. Por enquanto, vocês já têm estas duas. Ou
melhor: estas sete. 1º de setembro de 2000. |