São Paulo, 13 de fevereiro de 1997.

Daniel Piza,

Fiquei bastante emocionado com o seu artigo de quarta-feira (05/02), na Gazeta Mercantil, a respeito da perda do nosso incomensurável intelectual: Paulo Francis. Eu quis muito te parabenizar e com você me solidarizar, pois foi nos seus escritos que encontrei refletidos os meus sentimentos.

Eu, ao contrário de você, não tive o incalculável privilégio de conhecer Paulo Francis pessoalmente. No entanto, te entendi perfeitamente quando li sobre o que ele representou como iniciação, como influência, como "janela" para o Mundo e tudo o mais. Apesar do meu contato com os artigos dele ter sido muito recente (comparado à imensidão do que você já deve ter lido: Pasquim, Senhor, Folha, Estado, romances, etc), ele foi, para mim, um tutor como poucos.

Posso afirmar que, ultimamente, eu abria o jornal apenas para lê-lo e ligava a tevê apenas para vê-lo e ouví-lo. Francis dava aulas. Cada comentário seu, por mísero que fosse, trazia à baila uma visão rica e inovadora, uma opinião original e instigante, fazendo pensar. Não vejo mais ninguém na imprensa com o mesmo domínio nas áreas — as mais diversas possíveis — do conhecimento humano, tratando qualquer assunto com maestria.

Naquela terça-feira, eu também me senti órfão.

Desapontaram-me as homenagens frias, pouco apaixonadas que prestaram a ele. À exceção do seu artigo (e de outros poucos), encontrei um certo distanciamento nas reportagens as quais tive acesso — escritas por pessoas que, ao que parece, nem sequer o liam (!). Onde estão os amigos de Paulo Francis? Triste a omissão e a superficialidade.

Daniel, eu queria, nesta hora, poder com você falar mais sobre este homem retumbante e todo o seu legado inestimável. Quais são os seus projetos com relação a ele? Existe a possibilidade de lançar mais um Dicionário da Corte? Ou você pretende seguir com compilações à maneira de Ruy Castro (com relação à não menos importante obra jornalística de Nélson Rodrigues)?

Tenho enorme interesse pelo trabalho de Francis "pré-Diário da Corte". Você me aconselharia alguma coisa em especial? Existem sebos onde eu possa adquirir exemplares das publicações que você citou?

Obrigado desde já por qualquer esclarecimento e também pelo tempo dedicado à leitura desta carta — que, espero, seja a primeira de muitas.

Parabéns e continue!

J. D. Borges