Diogo Mainardi em Contra o Brasil e os Brasileiros

"O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: — não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima."
(Nélson Falcão Rodrigues, jornalista, dramaturgo e escritor)

Diogo Mainardi, nosso infatigável demolidor de lendas e mitos pátrios, volta à carga com sua realização mais ambiciosa: "Contra o Brasil" — livro em que pretende por abaixo toda e qualquer veleidade brasilianista, reduzindo a pó a nossa própria imagem.

Em seu empreendimento aniquilador, de dimensões titânicas, o autor não poupa nada nem ninguém — atacando toda e qualquer referência minimamente positiva à Terra Brasilis.

Mainardi nos conta, desta vez, a história de desventuras de Pimenta Bueno, um anti-nacionalista crônico que, refugiado nas selvas do Mato Grosso, resolve seguir a rota etnológica do triste tropicalista Claude Lévi-Strauss.

A partir daí faz-se o contraponto que permeia toda a obra: um paralelo entre a narrativa aventurosa de Pimenta Bueno e a sequência de acasos trôpegos que caracterizam as páginas da nossa imodesta cronologia de glórias.

Ou seja: para cada iniciativa fracassada de Pimenta Bueno, há um episódio correspondente e igualmente lamentável da nossa História; para cada dissabor da personagem, há um desgosto equivalente — vivido aqui por algum estrangeiro renomado; para cada conclusão negativa a que chega Bueno, existe uma citação depreciativa, de um luminar da cultura universal, acerca do Brasil, dos brasileiros e da brasilidade.

Mainardi faz, assim, a condenação e a execução sumárias de uma nação que, no seu entender, nunca foi, nunca será e nem nunca jamais deveria ter sido. Pois, como afirma, "o Brasil é fruto de um erro de cálculo."

E não poupa esforços para levar adiante sua proposta anticívica; sucumbindo, inclusive, a achaques doentios de anti-ufanismo, tais como: "Peri representa tudo o que eu mais detesto: o orgulho tribal; a apologia da raça; o culto da família; o apego pela própria terra; o amor incondicional; o fanatismo dos bons sentimentos; a afirmação da identidade nacional."

Reconhece, outrossim, na defesa de sua causa, a cegueira e a incoerência inevitáveis: "Se é para renegar a minha pátria, permito-me as mais disparatadas contradições."

Ainda que quixotesco no varejo, o projeto de Diogo Mainardi mostra-se válido no atacado. Ainda que sofra de sanha brasilofóbica, gastando latim com comezinhos detalhes, Mainardi cunha novas e velhas verdades sobre a nossa nacional identidade.

Reino da Impunidade

"Significa então que assassinei barbaramente um bando de miseráveis e ainda saí lucrando? O Brasil é o reino da impunidade!" (Pimenta Bueno)

Quem duvida que, no Brasil, a Justiça tarda e falha? Quem, dentre os brasileiros, contesta a necessidade de uma imperiosa reforma no Judiciário?

E o que foi feito de Collorgate, Magrigate, Zéliagate, PCFariasgate, TAMgate, Osascogate, Nayagate, Malufgate, Lulagate e BispoMacedogate? Alguém soube de algum encarceramento, ou de alguma pena cumprida por conta desses incidentes manifestamente condenáveis?

Inata Covardia

Talvez pior do que a iniquidade nos tribunais seja a parcimônia com que o brasileiro médio, pequeno ou grande encara esses casos — em que evidências tão gritantes levaram criminosos-malfeitores-facínoras à absolvição quase total.

Condenamos aqueles que nos governam a, no máximo, um linchamento moral na mídia; seguido de momentâneo obscurantismo; sem, no entanto, alterar-lhes a pujança e a safadagem.

"Alguém já ouviu falar do levante dos escravos haitianos? Em 1828, o naturalista francês Victor Jacquemont, justamente indignado com o tratamento que os brasileiros reservavam aos negros, prognosticou que uma revolta semelhante ocorreria entre nós. ‘Lá isto é nação! De que serve a liberdade de agir e pensar para os que não pensam nem agem?’ Porém Victor Jacquemont estava enganado. Ao contrário do Haiti, no Brasil os levantes sempre fracassam, em virtude da nossa inata covardia e incompetência." (Pimenta Bueno)

Depravados Morais

"Fico contente que isso tenha acontecido na terra dos brasileiros pois não lhes quero bem — uma terra de depravados morais." (Charles Darwin)

E o que dizer da invasão de bundas, de genitálias e de danças as mais chulas e lascívias?

Claro está que nem só de sexo vive o Homem. Todavia, junto com a banalização dos instintos básicos, vem o desrespeito pela pessoa física, pela personalidade e por aquilo que nos distingue dos outros seres: a humanidade.

Hoje o brasileiro tem sua alma escancarada, suas feridas pessoais expostas e remexidas em praça pública, em cadeia nacional, em horário nobre — sob os olhares impassíveis de adultos, jovens, velhos e crianças de colo.

Assim, o que se tem de mais elevado, nobre e belo perde-se na sede pelo entretenimento bizarro, gratuito e imediato. Os poucos altruístas de intenções louváveis e edificantes vêem-se derrotados pela escolha inclemente da audiência ignorante.

"O Brasil é um país em que as melhores idéias prostram-se diante dos mais primários instintos." (Pimenta Bueno)

Gente Miseranda e Bruta

"Caramuru é o maior poema épico brasileiro, de Santa Rita Durão. Conta a história de um dos nossos primeiros povoadores, o português Diogo Álvares Correia, que naufragou na Bahia em 1510, sendo capturado pelos índios canibais, essa ‘gente miseranda e bruta’." (Pimenta Bueno)

Somente a Educação, que implicará num mergulho fundo nas nossas mazelas sociais mais cavas, trará nossa redenção frente a Humanidade. Afinal, como falou o rodriguiano Nélson: — "O homem só se salva quando reconhece a própria hediondez."

Por essas e outras que Diogo Mainardi, pela via oposta à de um Policarpio Quaresma, cumpre esplendidamente bem a parte que lhe cabe.

E nós?

J. D. Borges