Borges

Acabei de ler o seu artigo publicado com grande destaque no número 72 do Condutor. Fiquei triste e preocupada. Afinal, você é quase um engenheiro. E, como tal, eu esperava que você achasse importante "CONSTRUIR". Mas você mesmo afirma que, quando teve oportunidade, "resolvi soltar o verbo, dando nome aos bois e NÃO DEIXANDO PEDRA SOBRE PEDRA".

Não é minha intenção contestar o que você escreveu ou mesmo defender-me. Na realidade, todos nós, professores, fomos impiedosamente atacados no seu artigo. Acredito que alguns dos meus colegas professores vão responder ao seu ataque.

Mas é minha intenção ajudá-lo. Principalmente porque, aparentemente, você não vê perspectivas de sucesso na sua carreira profissional, quando expressa algumas dúvidas. Em particular, fiquei preocupada com a sua pergunta: "E quem vai empregar um cara assim sem quaisquer experiências e sem objetivos?"

Acho que eu posso ajudá-lo a responder a essa pergunta (ou melhor, a fazê-lo ver que a pergunta está errada). Que tal conversarmos?Estou aguardando uma resposta sua para marcarmos um horário. Por favor, sugira algumas datas.

Atenciosamente,

Edith Ranzini.


São Paulo, 8 de novembro de 1997.

Mui estimada professora Edith Ranzini,

Pensei que a senhora fosse sensível o suficiente para perceber que o meu ataque não tinha como alvo professores exemplares e inesquecíveis como você, o Edson Fregni, a Denise Consoni, o Márcio Rillo, o Wilson Ruggiero, o Hamilton Guidorizzi (de Cálculo I e II), o Paulo Leite (de G.A.), o Naban (de MecFlu), o Gabriel Maluf (de ResMat), o Cláudio Garcia (de Controle I), o Zuanela, o Jorge (de Eletromagnetismo) e mais alguns outros.

Fui, outrossim, virulento, incisivo e ácido com uma imensa maioria que não dá aulas de engenharia, mas de desorganização, de desperdício e de improdutividade. Penso que eles devem satisfações a nós alunos. E como dizia Paulo Francis, tratei-os como gente grande: critiquei-os.

Ademais, não disse nenhuma mentira. Todos os exemplos altamente depreciativos, os quais citei, existem! Considero tal realidade muito mais nociva — para o nome da Poli — do que a aparente "impiedade" com que a senhora caracteriza meu artigo. Se tais professores têm tão pouca consideração para com os alunos, para com a Escola, para com o material do qual dispõem, para com as suas salas, para com as suas aulas, para com os laboratórios, para com as provas, etc. — por que eu deveria ser condescendente para com eles??

Não estou querendo recriminar ninguém à toa. Baseei-me em vivências muito concretas, as quais jamais poderia deixar de comentar.

Afora isso, os meus colegas concordam comigo. Está lá, na segunda página do mesmo Condutor, no Editorial assinado por um tal de Surfista (que, a propósito, não conheço): "Mas o mais importante desse Condutor é o texto do Julião, QUE REFLETE BASTANTE O QUE A MAIORIA DOS POLITÉCNICOS PENSA, e já prepara quem ainda não passou por isso para as futuras adversidades." Eu, com minhas opiniões, não sou um caso isolado e "patológico" como talvez possa parecer.

Outra coisa: não pedi por destaque na presente edição do periódico. Foram eles, os editores, que decidiram por fazer de meu texto "matéria de capa". (Eu fui me inteirar disso no dia seguinte à recepção da sua mensagem.) Confesso que não me agradou esse excesso de publicidade. Não é do meu interesse posar como valentão, como incendiário, como mártir — até porque nunca foi essa a minha linha (meus outros artigos no Condutor foram de gêneros bem diferentes do desse último).

Quanto a eu querer "destruir" ao invés de "construir". Ora, uma vez que eu me propus a apontar os problemas da nossa Escola, resolvi ir fundo. Só assim atingiria o efeito buscado: chacoalhar os professores, os funcionários e — principalmente — OS ALUNOS, professora Edith.

Não estou de nenhum modo (além do normal) preocupado com o meu futuro como engenheiro. Sei que as oportunidades estão aí e que sempre estarão para aqueles que forem inteligentes, competentes e dignos delas. Quando eu disse que ninguém empregaria um politécnico, eu me referia à massa de especialistas, limitados e ignorantes (naquilo que não compreende engenharia) que povoam as salas de aula da Escola. Essa postura, em face ao Mercado de Trabalho atual, é equivocada e precisa ser modificada urgentemente.

Foi-se o tempo em que um diploma da Poli bastava. Ele é mais um diploma entre tantos outros exigidos.

Lá fora, ninguém quer saber se você conhece bem eletrônica, física, circuitos elétricos ou mecânica dos fluídos. Os exames de admissão nas grandes (e pequenas) empresas baseiam-se no conhecimento adquirido em línguas estrangeiras, baseiam-se na capacidade de se resolver problemas hipotéticos, baseiam-se em relacionamento interpessoal, baseiam-se na capacidade de se estar atento ao que acontece no Mundo, baseiam-se em marketing pessoal, baseiam-se em algumas noções razoáveis de Política e de Economia, e numa porção de outras coisas que, no meu entender, não são ensinadas na Poli. Agora imagine o desempenho (nessas avaliações) daqueles que não sabem nem se expressar na própria língua; daqueles que tem raros amigos; daqueles que não lêem o jornal como um todo; daqueles que pouco sabem sobre algo que não faça parte do mundo dos computadores e da televisão; daqueles que, passado o vestibular, nunca voltaram a ler um único e escasso livro!

É professora, os que não procuraram adquirir essas habilidades fora da Poli, estarão SEMPRE em franca desvantagem. Eu fui estudar inglês, francês, espanhol e italiano, fui viajar pelo Brasil com amigos, fui ler livros, fui escrever, fui tocar um instrumento, fui fazer esportes, fui namorar, fui passar um tempo no estrangeiro,... — em suma, fui me meter em tanta coisa que acabei com um monte de dependências. (Você sabe: a Poli é muito ciumenta; exige dedicação total!)

Não pode mais ser assim!!!

Bem, esses são os esclarecimentos que eu tinha para fazer.

No que concerne ao bate-papo, pense, professora Edith, em ajudar a outros que não eu. Felizmente, minha percepção possibilitou-me entrar em sintonia com matérias outras que não as da faculdade, com universos outros que não os da Engenharia. Fui salvo pela pluralidade e pela mesma rebeldia que você hoje condena.

Abraços do

Julio Borges

P.S. Conheça toda a história do texto e suas repercussões ao longo dos anos baixando o e-book A Poli como Ela é... — O Livro.