São Paulo, 16 de Junho de 1998.

Caro Salles,

Finda a Filosofia, consegui mais tranqüilidade e — sobretudo — mais tempo para escrever. Estou colocando a correspondência (e os projetos literários "abandonados") em dia. Vamos ao seu último mail...

Sabe que, neste semestre, eu andei ponderando sobre uma porção de coisas — e tirei conclusões úteis para mim (que talvez o sejam também para você). Vamos a elas...

Uma boa faculdade de Humanas provavelmente me estragaria. Assim como te estragaria.

Percebi que passei esses anos todos descobrindo o "mundo do conhecimento" pela minha lente — única e exclusiva. Agora é-me impossível aceitar opiniões formadas, visões acabadas de autores, livros, quadros, peças, épocas, fatos, histórias, personalidades, etc. Como você bem disse, a USP tira o trabalho de pensar do aluno — posto que entrega-lhe modelos; sistemas extremamente coerentes, que ele termina por aceitar sem muito esforço.

Felizmente percebi que nesses assuntos sou um autodidata. Isso porque as únicas conclusões que me interessam são aquelas a que posso chegar por mim mesmo. Pouco importa se o professor "Fulano de Tal" descobriu uma faceta impensada de uma dada obra. Todo mundo tem de aprender a pensar sozinho. E isso as universidades não ensinam. Aliás, muito pelo contrário...

Os grandes professores são de tal maneira carismáticos e absorventes que impõem um "pensar correto". (E aí de quem se atrever a discordar...) É uma pena! É uma pena que a educação, em todas as suas esferas, esteja assim tão equivocada.

Um grande professor forma, então, dezenas de leais discípulos, que se comportam como beatas de igreja — repetem a ladainha do padre (sem nunca terem se dado ao trabalho de interpretar a Bíblia por si sós). Par consequence, um seguidor razoável da "doutrina" herda "conhecimento" pela fé e não pelo que você chamou de "árduo trabalho de Pensar". (O "p" maiúsculo fica por minha conta.)

Ademais, é muito fácil para um veterano "mestre" humilhar e sufocar os pupilos mais rebeldes. Afinal, ele tem muito mais bagagem cultural, tem mais argumentos, é melhor sofista — enfim prepara-se para jamais ser refutado em público. Deste modo, os poucos contestadores que entram na faculdade: ou abandonam o curso; ou aderem ao rebanho de "bem pensantes"; ou mantêm-se à margem do stablishment.

Pensando bem... De que me adianta carregar meia dúzia de interpretações brilhantes, sendo que não são minhas? sendo que, partindo do que sei de fato, jamais poderia embasá-las? Só posso me valer de raciocínios absolutamente meus, totalmente meus, completamente meus. O resto só me serve como ponto de partida; às vezes, nem isso...

Concluindo... Precisei de seis meses para descobrir que a Poli foi uma das melhores faculdades que eu poderia ter feito. (Ao menos, não sofri estupro intelectual: não me foram incutidas opiniões "alheias" sobre as ditas Humanidades.) A Poli me deu aparato para desbravar alguns universos. E isso vale muito!

Afinal de contas, o curso superior deve te ensinar a raciocinar — mais do que tudo. Opinião pronta tem valido cada dia menos. E informação, em estado bruto, pode ser conseguida em qualquer lugar. Como disse Oscar Wilde, "it is easy to accumulate facts, but it is hard to use them."

Saludos do

Julio