Da Importância das Grandes Personalidades "Goodbye Englands rose..." É sempre interessante observar como a morte de uma grande personalidade traz à baila intermináveis elucubrações sobre a importância, a influência e o significado dos grandes nomes para as sociedades atuais. E é natural, portanto, que, no Brasil, um ano de baixas tão representativas (Paulo Francis, Mario Henrique Simonsen, Darcy Ribeiro, Antonio Callado quatro passamentos ilustres em uma única semana) seja pautado pela reflexão constante acerca do assunto. Movidos por uma espécie de banzo, por saudades intensas da figura que veio a falecer, recaímos imediatamente na conclusão fácil, comum e empobrecedora: "Os ídolos estão acabando." Para pessoas de idade avançada, tal aforismo é uma constante; retomam-no dia-a-dia, como um lema. (Lembrem-se de que é dos chamados "velhos" o hábito de denegrir o tempo presente.) Embora não pertença, cronologicamente, a essa categoria de pessoas, a cada falecimento de um dos nossos grandes homens, deixo de acreditar na minha geração, tornando-me mais e mais saudosista com relação às gerações anteriores. Penso que a geração dos Anos Noventa, denominada X, Y ou Z (como quiserem), vagueia sem rumo, sem direção, dispersa em meio a tantas possibilidades, a tantas mídias. Sofre da síndrome de Leonardo da Vinci, sem o talento genial do mestre; e sofre do efeito "redação tema livre": "Tanto a escrever... mas exatamente sobre o quê falar?" E as novas tecnologias vêm chegando para ramificar ainda mais as artes e as profissões, confundindo por completo a cabeça do jovem "pós-moderno". Se o sujeito tem afinidade com as câmeras pode ser: ou cineasta; ou cinegrafista; ou diretor; ou produtor; ou ator; ou publicitário; ou diretor de televisão; ou "artista" de televisão; ou apresentador; ou diretor/produtor de videoclipes; ou diretor/produtor de seriados de tevê; ou executivo de uma distribuidora/produtora de longas; ou executivo de uma distribuidora/produtora de curtas/filmes publicitários; ou garoto-propaganda; ou editor de imagens; ou cenógrafo; ou maquiador; ou cabeleireiro; ou figurinista; ou "macaco de auditório"; ou câmera ou tantas outras "n" coisas dentro de um único segmento do mercado de trabalho. Logo, quem gosta, digamos, de filmar, prestará vestibular para quê? E depois de formado, pleiteará um emprego de quê? Então volto aos grandes homens do nosso país. Ainda que tradição seja algo extremamente fora de moda hoje em dia, ainda que o interesse geral orbite ao redor do que há de "novo", somente aqueles que se mantiveram como ícones durante décadas podem nos trazer exemplos edificantes e contundentes de conduta, de postura, de caminhada pelo que dizem, pelo que escrevem, pelo que cantam, pelo que representam, pelo que pintam, pelo que filmam, pelo que aprovam, pelo que combatem; em suma, pelo que sentem e pelo que são. E alguém me aponte, dentre os arrivistas: um compositor vibrante e espalhafatoso; um poeta tímido, doce e apaixonado, sorvendo cada segundo com uma voracidade infinita; um escritor ousado, rebelde no conteúdo ou na forma; um cineasta inconformado, fazendo cada filme como se fosse o último; um cantor boêmio, passional, dramático; um ator obstinado, enlouquecido e endiabrado. É no Passado que se escondem tais figuras; é esse o tempo que os abarca. Os ídolos dos Anos Noventa são, segundo a nova ordem mundial, virtuais. Não têm nada daquela imperfeição orgânica, arrebatadora e incontrolável dos mestres de outrora. Contidos e "pasteurizados", têm sua rebeldia e sua personalidade restritas aos limites do video tape, aos usos e desusos da estação. De validade limitada, provocam pseudo-escândalos sem nenhum fim maior; apenas pelo estardalhaço. Representam seu papel em uma imensa novela, que quando termina, manda o personagem de volta para o limbo, sem que fiquem marcas de sua passagem inútil e despropositada. E estamos nos habituando mais e mais à "virtualidade", à vaporosidade e à volatilidade dos nossos admiráveis. Alguns segundos de Papa na telinha garantem a presença e a aura de João Paulo II entre nós. Meia-dúzia de rebolados em preto-e-branco do Rei do Rock, nos bastam para afirmar que Elvis the Pelvis não morreu; continua cá (entre nós). A verdade do video tape é cada dia mais verdadeira e absoluta. E a Vida? A Vida, bem, é mero reflexo; às vezes, falsidade prazenteira. O fim do milênio parece ser o deadline para a derrocada das celebridades à moda antiga isto é, presentes e atuantes em vários segmentos (além daquele no qual se originaram). E a causa mortis da safra de mitos que, nos Anos Setenta, Oitenta e Noventa seguiram a velha cartilha, é, com poucas variantes, a mesma: ou morre-se de acidente (inclua-se assassinato); ou de suicídio (inclua-se overdose); ou de complicações causadas pela AIDS. E assim, os afamados vão sendo vencidos, diariamente. E quem amarga a derrota é o Brasil e, mais amplamente, nós mesmos. Visto que, com nossos heróis, morremos cultural e intelectualmente; aqui e no Mundo. Nossos homens e mulheres mais brilhantes são as nossas divisas mais valiosas; representam e fazem luzir nosso braseiro ao redor do globo. Fora que, além da nossa representatividade, perdemos, na entressafra, nossa juventude que erra sem norte ou sul; sem oriente ou ocidente. Precisamos de ídolos sim. Precisamos de guias que nos conduzam pelos sertões da vida ou mesmo pelas veredas (se é nelas que estão as glórias devidas). Precisamos de alguém que nos leve pela mão, de alguém que nos aponte uma direção dando lições de sobrevivência, de trabalho e de grandeza moral num mundo, por tantas vezes, feio, cruel e triste. Alguém se habilita? J. D. Borges |