Da lama que sopitta na Câmara Municipal Paulistana

Todo mundo sabe que os congressistas, em geral, não trabalham. E todo mundo sabe que os políticos, salvo minoria irrisória, passam a mão no dinheiro dos impostos.

Agora, francamente. Estes vereadores que aí estão batem qualquer recorde de vagabundagem, de inconveniência, de cretinice, de imundice e de corrupção endêmica. Ou talvez, como costuma-se alegar nessas horas — talvez o problema esteja em nós. Talvez, historicamente, nunca tenhamos mergulhado tão fundo nos detritos, na podridão e na calhordice — que esses senhores, em nome de uma centenária "Casa", têm perpetrado.

Afinal, já declarava o decano anti-Brasil Vita, lá pelos idos de 1987: "Essa é uma das piores composições que a Câmara teve em sua História"; tendo resumido a situação em 1978: "O elevador privativo está transportando uma verdadeira canalha; são pessoas malcheirosas em todos os sentidos, notadamente no moral, no intelectual e no social." (Cá entre nós: se há quase quarenta anos, anti-Brasil Vita vem constatando isso, é de se admirar que ainda permaneça na nauseabunda Municipalidade; ou não.)

Foi graças à campanha civilíssima e exemplar do Jornal da Tarde, combinada ao alentado e imprescindível suplemento dominical d’O Estado de S. Paulo, "Câmara Municipal S.A." (publicado a 11 de abril de 1999), que pudemos tomar contato com esse universo vicioso e nefando — de envergonhar a cidade e os cidadãos que se dizem os mais sérios, os mais responsáveis e os mais trabalhadores do Brasil atual: os cidadãos da cidade de São Paulo.

Quadro Negro

Infelizmente tem para todos os gostos e gastos. De acordo com o que foi apurado, 40 dos nossos 55 vereadores gastam seu tempo (e o nosso dinheiro) com frivolidades pro forma, enquanto empregam a parentada, requisitam parcelas dos salários superfaturados de seus contratados, apropriam-se da verba destinada à equipagem de seu gabinete, metem-se em conluios com o propagandeado PAS (Plano de Atendimento à Saúde), com as ARs (Administrações Regionais), com o TCM (Tribunal de Contas do Município), com as creches, com as DREMs (Delegacia Regional de Ensino Municipal), com empresas fraudulentas como a Anhembi Turismo, e com qualquer outro tipo de atividade rendosa e ilícita.

Dia de quê?

Dentre as mencionadas frivolidades pro forma, podemos destacar a apresentação e a aprovação de importantíssimos projetos para a comunidade — como a instituição de datas especiais homenageando os mais diversos segmentos da sociedade. Pretende-se instituir, ou já vige: o Dia do Orgulho Gay (por Vicente Viscome, expulso do PPB); a Semana da Happy Hour (por Mohamad Mourad, do PL); o Dia Municipal dos Atores em Dublagem e o Dia do Estudante Universitário (por Pierre de Freitas, do PSDB); o Dia do Desporto de Malha, o Dia da Aquática e o Dia do Y’s Men’s Club (por Toninho Paiva, do PFL); o Dia do Pastor Evangélico, o Dia do Obreiro Evangélico e o Dia da Literatura Evangélica (por Dito Salim, do PPB); o Dia do Samba (por Antonio Goulart, do PMDB); o Dia da Cavalgada (por Bruno Feder, do PPB); o Dia do Maçom (por Edivaldo Estima, do PPB); o Dia da Iugoslávia (por anti-Brasil Vita, do PPB); o Dia do Seicho-No-Iê (por Jorge Taba, do PDT); o Dia do Trabalhador Joalheiro (por Armando Mellão, ex-PPB); o Dia do Amigo (por Dito Salim, do PPB); e o Dia do Surfe (por Alberto "Turco Louco" Hiar, do PSDB).

Criatividade à toda prova

Para que depois não nos acusem de "má vontade" (como fez o presidente do TCM, Walter Abrahão), por uma questão de justiça, devemos enumerar outras propostas de incontestável utilidade pública, elaboradas pela Vereação. Dentre essas, estão as que visam: trocar todas as lâmpadas da cidade por equivalentes de cor amarela (por Mohamad Mourad); instalar circuito interno de tevê e vídeo nos ônibus, emprestar calculadoras aos clientes de supermercados, e obrigar os proprietários dos edifícios a mantê-los sem sinais de pichação no topo (por Dito Salim); adornar cinemas e teatros com setas indicativas e faixas fluorescentes (por Edivaldo Estima); proibir o uso de calças compridas pelas mulheres da Câmara (por anti-Brasil Vita); fechar bares à 1 hora da manhã e proibir o comércio nas esquinas (por Jooji Hato, do PMDB); garantir a permanência de uma pessoa dentro dos banheiros dos restaurantes (por Maeli Vergiano, ex-PPB); lavar as laranjas antes de vendê-las, em forma de suco, ao consumidor (por Archibaldo Zancra, do PPB); acoplar focinheiras em cães perigosos (por Luiz Paschoal, do PTB); suprimir as expressões estrangeiras dos espaços públicos e da prestação de serviços (por Lídia Corrêa, do PMDB); interditar a venda e a fabricação de cigarros na capital (por Ivo Morganti, do PFL); rebatizar uma praça com o nome do próprio pai (por Turco Louco); instituir o ensino de língua italiana nas escolas municipais (por Miguel Colasuonno, do PPB).

Casa da Mãe Joana

Dos distintíssimos que contratam parentes, contraparentes, amigos ou conhecidos (leia-se familiares de outros membros do Legislativo), ouve-se as mais descaradas justificativas: "Não é legítimo, eu não devia empregar; mas se tenho que dar emprego pra gente estranha, dou pra minha família." (Natalício Bezerra, do PTB); "Com o salário que ganho aqui na Câmara, não dá pra pagar um advogado por fora. Meu filho é advogado... pode me ajudar muito nesses tempos de CPI." (Wadih Mutran, do PPB); "Tem de ter gente de confiança por perto." (Maria Helena, do PL; a mesma que ameaçou dar um "tiro na cara" do colega José Viviani Ferraz); "Quando pedem, a gente consegue uma vaguinha... Nunca neguei nada, atendo todo mundo." (Mario Dias, do PPB; o mesmo que encaixou o filho no gabinete do Turco Louco, por ele ser "um dos maiores skatistas do Brasil"); "Não preciso dar satisfação a ninguém." (Viviani Ferraz, do PL); "Precisava muito de alguém que entendesse de Informática." (e como o filho dela, Lídia Corrêa, entende...); "Acho injusto chamar isso de nepotismo; ela trabalha muito." (Miguel Colasuonno, em defesa da funcionária e filha).

Remuneração e Benefícios

Mais de 90% da verba orçamentária destinada à Câmara (aproximadamente 140 milhões de reais, para este ano), será consumida no pagamento dos 2162 funcionários ativos e dos incontáveis inativos. Afora isso, serão alocados custos de R$ 100 mil para auxílio funerário; R$ 2 milhões para a TV Câmara; e R$ 1,3 milhão para materiais de consumo. (Incluindo-se aí, ou não: os 21 funcionários que cada vereador tem direito de contratar; os 400 litros de combustível de que cada um pode dispor por mês; as 12 mil fotocópias, as 60 mil postagens de correio e os 30 mil impressos que cada congressista pode utilizar por ano; os serviços de barbearia, manicure, engraxate, clínica odontológica e fisioterapêutica.)

No que concerne aos salários propriamente ditos, eles podem chegar, acrescidos de gratificações variadas, a R$ 35 mil mensais. Sendo que o prefeito tira, por mês, R$ 6 mil, e cada vereador, oficialmente, R$ 4,5 mil (embora os custos das campanhas dos últimos cheguem até R$ 245 mil).

Um garçom da Câmara recebe, por mês, R$ 2215,00; uma manicure, R$ 2343,00; um garagista, mecânico e lavador de carros, R$ 2457,22; um marceneiro, pintor ou telefonista, R$ 2343,72; uma enfermeira, R$ 4241,35; um engraxate, R$ 2271,62; um taquígrafo (o único), R$ 4483,11; um bibliotecário, R$ 6000,00; e um PM, R$ 2150,00.

A ponta do iceberg

Como se não bastasse, os nossos representantes estão sendo averiguados, dentre outras coisas, pelos seguintes atos: Vicente Viscome, por receber R$ 65 mil em propinas; Nelo Rodolfo (PPB), por vender pares de cotonetes a R$ 30; Dito Salim, por ter livrado uma empresa da fiscalização, tendo cobrado, para tanto, R$ 6 mil; Antonio Goulart, por ter "herdado" a AR de Cidade Ademar, especialmente "criada" para ele; José Índio (PPB), por ter sua campanha quase toda financiada por 4 ex-funcionários da AR Mooca; Mario Dias, por ter coagido 20 creches (em seu poder), a fim de que fizessem campanha em seu favor; Arselino Tatto (PT), por ter confiscado 30% do salário de seu motorista, em nome da doação compulsória entre os militantes de seu partido; Bruno Feder, por ter utilizado o telefone de seu gabinete para escoar sua produção de feno; José Izar (PFL), por ter extorquido camelôs e por ter sob seu comando nada mais nada menos que 106 motoristas e 16 vigias noturnos, funcionários da sua AR Lapa; Armando Mellão, por ter se apropriado de informações sigilosas, anunciando promessas (na iminência de serem cumpridas) em meio à campanha; Maeli Vergiano, por ter dado sumiço num processo que acusa seu irmão de receber comissão "por fora"; Hanna Garib, por ter concedido o Título de Cidadão Paulista a um contrabandista notório; Milton Leite (PMDB), por ter assistido impávido à morte de ambulantes a metros da sua AR Santo Amaro; Miguel Colassuono, por superfaturamento dos preços da lavanderia e pela indicação de cargos de diretoria.

E isso é só o fim

Por essas e por outras que Bruno Feder concluiu: "São Paulo faliu".

Faliu mesmo. Faliram-na. Em todos os sentidos.

J. D. Borges