Fábio Barbosa (1969 - 1996)

Eu queria escrever sobre o Fábio sem ser piegas e impertinente. Eu queria despertar o interesse daqueles que não o conheceram, ou ainda, daqueles que o conheceram mas que não o compreenderam.

Acho que, até certo ponto, eu entendia o Fábio. Eu entendia o Fábio da maneira como dois amigos se entendem: partilhando as semelhanças, respeitando as diferenças e condenando atitudes em silêncio. Ao contrário de muitas pessoas, as poucas lembranças que eu tenho do Fábio são boas; e agora tristes.

Eu lamentei não ter dividido, com ele, mais momentos que não só aqueles dentro da Poli. No entanto, é possível que esta mesma convivência rara e escassa, da qual me arrependo hoje, tenha sido a chave para as nossas conversas tão animadas. Penso, então na genial frase de Millôr Fernandes: "Como nos parecem adoráveis as pessoas que a gente não conhece muito bem."

A única vez em que encontrei o Fábio verdadeiramente fora da Poli, foi perto do Mappin, em frente ao Teatro Municipal. Ele estava com a Simone e eu havia ido às galerias para comprar o Chaos A.D. do Sepultura. Lembro de haver pagado R$ 18, preço que o deixou empolgado. Conversamos rápido e ele disse que eu deveria tomar cuidado com roubos e assaltos. Era sábado e eu já havia estado no Centro de São Paulo dezenas de vezes antes, o seu comentário, portanto, poderia ter atingido meu orgulho e a minha suposta maioridade. Eu, entretanto, senti, na preocupação sincera dele, uma carinho e uma atenção especiais, que eu voltei a sentir outras vezes e que nunca soube explicar.

O Fábio sempre teve esta postura paternal (ou seria fraternal?) comigo, desde o dia em que o conheci num daqueles bancos de madeira-podre do Biênio, quando ele parou-me e perguntou-me: — "Onde é que você comprou essa camisa?" (Era uma camiseta do Metallica, Sad but True.) Ele deu-me alguns conselhos dos quais não mais me lembro. Ele me apresentou os lugares e as pessoas: — "Esse aí, quando era bicho, mostrou um canivete para escapar do trote e acabou tomando na cabeça." "Este outro acabou tudo, só está devendo as Físicas e os Cálculos." "Este cuzão entrou comigo, mas não me cumprimenta."

O Fábio via em mim um ótimo espectador, contava-me histórias as mais estapafúrdias; como aquela da mulher que virou frango assado. Segundo o nosso "finado" amigo, ocorreu quando ele e mais alguns camaradas resolveram tomar chá de cogumelo na praia. Estavam todos alterados quando passou uma mulher de biquíni e um deles comentou: — "Nossa! Parece um frango!" Os outros, solidários na alucinação, começaram a concordar: — "É mesmo! Não é que é um frango, mesmo?" "Um frango assado!" "É mesmo! Um frango assado! E está andando!"

O Fábio era, para mim, muito interessante, mesmo quando mentia deslavadamente. (E é certo que ele fazia isso na maior parte das vezes.) Ele tinha uma coleção particular e infinita de histórias fantásticas, envolvendo, principalmente, esoterismo. Posso dizer que o Fábio preenchia a minha necessidade periódica de contato com o irreal.

Ele falava sobre vampiros (segundo ele, o homo sapienssíssimus), sobre Buda ("só sei que estou acordado"), sobre viagens astrais, sobre magia (chamava Anne Rice de bruxa). Era um poço de relatos sobre o impossível. Houve um dia em que, na lanchonete da Elétrica, ele falou tanto sobre espíritos, bons e maus, que eu fiquei enjoado de tudo aquilo e saí de lá achando que o Fábio vivia fora do mundo, numa realidade à parte. Ele pareceu-me obcecado com o lado metafísico das coisas, querendo viver o duplo sentido de cada objeto, de cada pessoa, de cada atmosfera ou ambiente. Ele via transcendência até numa simples caixa de fósforos. "Não dá para acreditar num mundo que seja só isso, só matéria — não dá! É muito pouco..." — justificava-se. Para mim, ele vivia no "Além", e não no mundo por nós conhecido. Na minha cabeça, era importante viver neste mundo, viver esta realidade porque é o que nós realmente temos. Como viver de especulações?

Agora, no entanto, eu gostaria de acreditar que, esteja onde estiver, ele ainda ri da Poli e de todas as suas pretensões. Seria bom saber que ele ainda imita o respeitável professor Orsini com o seu "retroprotetor" para uma platéia de desencarnados. Seria uma felicidade, pois é muito difícil aceitar um fim tão precoce, uma lógica tão incompreensível, um destino tão cruel e insuspeitado; e pior ainda, uma Poli tão menos anarquizada, tão menos sarcástica e tão mais monótona.

Fábio, valeu pelos papos, pelos conselhos e pelo carinho.

Rezo por nós, adeus.

J. D. Borges (ou, simplesmente, Julius!)

São Paulo, 29 de agosto de 1996.