São Paulo, 3 de maio de 1997.

Amigos de Informática Exame,

Escrevo-lhes por primeira vez. Venho, através desta, manifestar meu mais arraigado inconformismo para com o artigo "Uma Revolucao Linguistica" do Sr. Dagomir. Sei que talvez seja esta uma investida inglória, pois a maré de idiotia que se instala desde há decênios é muito maior e muito mais forte do que eu e meus ideais de juvenilia e, por que não dizer, de inguenuidade diante de uma realidade, que se instaura, inexorável.

Vosso não muito original articulista prega o fim do Português como se conhece, lamentando os quase quinhentos anos de involução da Terra Brasilis. Para ele, nosso "atraso" estaria intimamente ligado à História e ao desenvolvimento pautados numa língua demasiadamente rica, e por isso contrária à praticidade e ao dinamismo; enfim, contrária ao progresso.

A partir da abolição dos acentos e da adoção de terminologia inglesa, ele propõe, num rasgo de abjeção e de loucura, a criação daquilo que escandalosamente chama de "portuglish". Trazendo à luz o que o Sr. Dagomir escreve, ou melhor, trazendo luz ao que o Sr. Dagomir escreve, tal processo teria como origem a incompetência de computadores, programas, programadores e usuários que não conseguem acentuar um simples E-mail (!)

Entretanto, a solução se encontra logo ali ao lado, no que se denomina por file attachement (para utilizar a tal terminologia pela qual ele tem tanto apreço), e não na atitude naïf de quem se apóia numa deficiência, numa debilidade tecnológica passageira, momentânea, para expor seu ódio àqueles que lutam pelo — minimamente bom — Português.

É, a um só tempo, triste e risível que alguém que se denomine "escritor" proponha tal solução reducionista. É iniciativa típica de quem sofre da tão popular "preguiça mental". Escolhe-se o "caminho mais fácil"; segue-se a "maioria". Desde quando a canalha ignara aponta tendências que mereçam ser seguidas? Muito pelo contrário, — "As massas estão nas ruas!?... Então, vamos liderá-las!" — bradou-se, com muita sabedoria, há décadas atrás.

Vale ressaltar que não se defende aqui apenas a nossa língua luso-brasileira, defende-se todo o intrincado labirinto do qual se compõe, e que serve de sustentáculo para, o pensamento humano. A evolução do homo sapiens, quer o Sr. Dagomir queira, quer não, deu-se por meio da linguagem. O registro, a passagem e o estudo minuscioso das idéias só se fez possível através de uma linguagem plena em nuances, matizes, tonalidades e sonoridades (eis o porquê dos acentos!) Nunca um vocabulário de trinta e quatro palavras, como o da televisão, poderá barganhar com o poder de fogo de um Aurélio, por exemplo.

Sr. Dagomir parece ter se esquecido da grande estrada que se trilhou desde as cavernas até às cidades que conhecemos hoje. Se seguirmos, à risca, sua proposta de comunicação mais simples e mais automática, produziremos, em última análise, uma linguagem limitada a gunhidos monossilábicos (um para cada instinto básico), ainda muito em voga nas selvas e florestas do Mundo. Nossa vida urbana atual, de representação idiomática "complicada" e inútil, reduzir-se-ia a uma meia dúzia de animosidades como fome, sono, sexo, dentre outras.

Excetuando-se o Amor, pois este requer o talhar do artesão, do poeta, no escrever e no falar. Ou, no mínimo, o floreio gentil e cândido que todos sabemos expressar. O Amor exige um certa galhardia, a mesma que o Sr. Dagomir visa, em nome da "modernidade", eliminar.

Por fim, eu diria que o Sr. Dagomir se revela, em sua revolta contra os puristas, mais um dos incompreendidos pelo idioma, pelos professores de Português e, principalmente, pela Gramática, que deve perseguí-lo em pesadelos noite adentro. Dá sinais de ter se degladiado, desde a mais tenra idade, com as regras e, principalmente, com as exceções da nossa língua. Indo mais além, seu rancor parece advir de trauma intrauterino, pois "Dagomir" não parece ser exatamente o nome com o qual sempre sonhou.

Agora, para ele, é chegada a hora da revanche pelo E-mail (!)

Sr. Dagomir assemelhaça-se, então, a um daqueles "dicionarístas" do livro 1984, de George Orwell. Esses indivíduos, que, na história, trabalhavam por uma língua mais objetiva e mais direta, começaram pela eliminação sistemática dos sinônimos; depois foi a vez dos adjetivos e, assim, seguiu-se a progressiva mutilação da língua. Orwell, renomado ensaísta, filosofando sobre as implicações de uma amputação do idioma (no caso o inglês), conclui que quanto menor o vocabulário, menor o espectro, o alcance e a profundidade do pensamento que se produz.

Sinceramente, acho que o Sr. Dagomir deveria lê-lo. Assim, nos pouparia de sua megalomania asquerosa e salvaria os pobres diabos, fracos de corpo e de espírito, da tentação de escrever (e de falar) burramente.

Rezemos para que ele, ao menos, não continue a propagandear essa campanha difamatória e abominável, contra todos nós, brasileiros (de qualquer língua).

J. D. Borges