Hobsbawm
e o Nuovo Secolo (16/09/2000) É constante, nos intelectuais, a tentação de querer prever o futuro. A maioria, em algum momento da vida, cede, e se compromete com a posteridade, em maior ou menor grau. “No final do século
XIX, muita gente dedicou-se à arte de imaginar o que seria o mundo dali a cinqüenta
anos, e todas as suas previsões revelaram-se incorretas.” Embora ciente dos riscos, Eric Hobsbawm, o eminente historiador inglês de “A Era dos Extremos”, não resistiu aos apelos do milênio e fez também a sua fezinha no porvir. Precaveu-se, no entanto, ao dar uma entrevista — em vez de escrever um livro. Ainda que publicada, a entrevista toma ares de conversa informal e é pontuada por inúmeras ressalvas. “Precisamos entender
que, na prática e por princípio, grande parte do futuro é inteiramente
inacessível... Por isso, o que podemos fazer é discutir os problemas tal como
se apresentam atualmente, e identificar algumas probabilidades. Às vezes, essas
probabilidades serão muito elevadas; em outras, podem ser transtornadas por
acontecimentos completamente imprevisíveis.” François,
Jules et Jim (24/08/2000) François Truffaut fez cinema literal. Senhor da mistura indistinguível entre sons e imagens, Truffaut, como Godard, era um obcecado pela palavra. Herdeiro do preto-e-branco e do cinema-mudo, reintroduz a narração e dá aos diálogos um papel fundamental, senão preponderante, na compreensão de suas obras. Em Jules et Jim,
concebe um triângulo amoroso, cujas personagens, de motivações inescrutáveis,
só podem ser compreendidas pelas explicações que dão ou pela voz grave e
reveladora do narrador. Seus atos não bastam, suas ações não bastam. Para
explicar-lhes os propósitos, os desejos, as vontades, é preciso um pouco de
literatura. Tout
le reste est littérature Jules et Jim conta a história de uma amizade. Uma amizade que atravessa qualquer rivalidade. Uma amizade permeada pelo amor. O amor de Jules e Jim pela mesma mulher. Um amor que, para Truffaut, só pode ser trágico. Um amor que, para Truffaut, só pode encontrar solução na morte. “Como eu não sabia
se o filme faria sucesso, passei toda a filmagem angustiado. Jules et Jim
foi feito numa época de minha vida em que eu vivia com medo de morrer. Eu
dirigia o meu carro com muito cuidado, amedrontado, dizendo-me que, em caso de
acidente, as matrizes do filme jamais se encontrariam.” Assim Falava Nietzsche
(29/07/2000)
“De todo o escrito só me apraz
aquilo que uma pessoa escreveu com seu sangue. Escreva com sangue e aprenderá
que o sangue é espírito. O que escreve em provérbios e com
sangue não quer ser lido, mas decorado. Nas montanhas, o caminho mais curto é
o que dista de cimo a cimo; mas para tanto é necessário ter pernas altas. As máximas
devem ser cumeeiras, e aqueles a quem se fala devem ser homens altos e robustos. Vós olhais para cima quando quereis
elevar-vos. Eu, como me encontro no alto, olho para baixo.” Poucos escreveram como Nietzsche. E ele sabia disso. No reino da língua alemã, colocava seu “Zaratustra” bem atrás de Goethe e Lutero. Ou talvez até junto deles. (Possivelmente na frente.) Por menor que tivesse sido o impacto de sua obra na História do Pensamento, Nietzsche já poderia ter sido considerado, em termos literários, um “clássico”. Mas foi mais. “A desproporção entre a grandeza de
minha tarefa e a pequeneza de meus contemporâneos, alcançou sua expressão no
fato de que nem me ouviram, nem sequer me viram.” No anonimato de quem custeava as próprias
edições, no descrédito de quem não conseguia ministrar cursos regulares nas
universidades, e na solidão de quem derrubava os alicerces morais do homem
moderno, Nietzsche acabou por extirpar os resquícios da herança judaico-cristã,
enquanto terminava de matar Deus — fazendo nascer a raça do Übermensch,
o Overman, o Sobre-Homem, o Além-Homem ou, como dizem, o
“Super-Homem”. Fellini e a vida-amarga-vida
(11/07/2000)
La Doce Vita faz quarenta anos, e o sentimento do vazio, do nonsense, do nada, que domina e corrói o protagonista Marcello, permanece inabalável, intacto, inextinguível — alive and well. A angústia, o desnorteamento, o fastidio da urbe, corre pelo sangue, corre pelas ruas, corre pelas relações — inaplacável, insaciável, inexpugnável, indestrutível cidade. Como náufrago da própria existência, atrás de uma tábua de salvação, Marcello se agarra sucessivamente: à amante, à namorada, à beleza, à religião, à intelectualidade, à família, ao pai, à opulência, ao casamento, à separação, à celebração, à natureza. E em nenhum deles encontra qualquer sentido, qualquer razão, qualquer motivo, que justifique uma continuidade, uma ilusão, uma permanência. Fellini não perdoa, e sentencia um final aflitivo e melancólico para a civilização citadina. Sem dó, estilhaça igualmente a alma e os sonhos do espectador. Isso tudo em preto-e-branco, e há quarenta anos atrás. |