Capa da Coletânea

Quase um ano de coluna semanal. De repente senti que estava escolhendo temas a esmo, na pressa de compor alguma coisa para o período. Como não me agradava ter de ceder às pressões das capas de revista, das manchetes de jornal e dos comentários ao redor, preferi partir para uma linha mais reflexiva, mais profunda, menos voltada para os fatos e mais voltada para as idéias.

A mudança de periodicidade, de semanal para quinzenal, foi portanto uma estratégia de revitalização e de amadurecimento. Creio, naturalmente, ser possível manter uma coluna hebdomadária, de interesse geral e de criatividade constante. Para mim, no entanto, a fórmula havia se esgotado.

Ainda na esperança de ganhar espaço na imprensa, pensava fechar esta coletânea com um texto atual, sobre a conjuntura reinante. Veio a idéia de escrever sobre o então fenômeno Ciro Gomes, e suas possibilidades como presidenciável. Daí surgiu Aspirante a Candidato (também um jogo de adivinhação, visto que não cito o Gomes em nenhum momento).

Tempos depois, porém, explodiu em mim Admirável Mundo Tolo, sobre toda essa bobagem de bebês pré-fabricados. Eu estava definindo inteligência e marcadamente senti que se estabelecia um novo divisor de águas. Minhas veleidades filosóficas entravam em cena com toda a força e, se era para seguir essa rota, melhor fechar logo um ciclo.

Daí nasceu a coletânea Admirável Mundo Tolo, que vocês lêem agora.

(Saibam todos que qualquer escorregão deve ser apontado, e que todo puxão de orelha é valido. Afinal, o que seria deste pensador desgarrado não fossem os feed-backs de seus leitores?)

Eu numa praia em Barcelona (jan. 2000, foto da minha mãe)

Para além da rebeldia juvenil: a Violência (04/05/99)

Eric Harris e Dylan Klebold num filme da vida real (fonte: site do Yahoo)Sobreviventes da Columbine School (fonte: revista Time)Esse texto veio como resposta ao caso do calouro de Medicina, acidentalmente afogado numa piscina, durante um “trote” no início de 1999. Mencionei, como complemento ao tema, a tragédia dos adolescentes atiradores da Columbine School, nos Estados Unidos.

Centrei minha argumentação no que defini como Puericentrismo, ou a cultura atual de se colocar o jovem como “astro rei” de toda e qualquer política, de todo e qualquer movimento histórico.

Perigosamente, personalidades não formadas, testando seus limites e usando armas de adultos, estão incendiando, como demônios, o mundo. Enquanto não se lhes cobrar responsabilidades e deveres, que todos nós temos, vidas ainda vão arder e outros desastres nos aguardam.


Pedro Cardoso e a Ignorância Esclarecida (17/05/99)

Pedro Cardoso em cena (fonte: site do filme "O que é isso, companheiro?")Muito me impressionaram os monólogos de Pedro Cardoso, em sua peça “Os Ignorantes”. A escolha de tipos e de situações tão brasileiros serviu-me de inspiração para uma peroração sobre a urgência e superficialidade da modern life, contrapondo teatro e televisão.

Pedro Cardoso em ação num chat (fonte: site do UOL)Vejam como, às vezes, vida e obra coincidem. Naquele momento, eu estava recém instalado e trabalhando na Avenida Paulista. Sufocavam-me, portanto, sua densidade demográfica, seu tráfego pesado, o tempo reduzido e contado, a sensação de opressão e, como dizem, a “correria”. Combinando tais ingredientes à catarse de Cardoso e suas personagens, só podia produzir um artigo como produzi.

Pedro Cardoso em cena novamente (fonte: site do filme "O que é isso, companheiro?")Comentou, a esse respeito, minha irmã Carolina: “No começo do seu texto você fala das desvantagens da modernidade. Coisa que eu sou a primeira a concordar porque eu sou meio retrógrada mesmo. Não suporto computador, sempre odiei videogames e não me dou muito bem nem com o videocassete. Mas me espantou ver justo você falando mal de tudo isso. Você sempre foi o que se deu melhor com tudo isso!? Bom sei lá, vai ver você mudou de idéia...”


O Tecno e a trilha sonora do Homem de Lata (02/06/99)

"Fat of the Land" by ProdigyUm dia entrei numa dessas megastores e pus-me a escutar um CD com capa de caranguejo. Intitulava-se “Fat of the Land” e era da banda Prodigy. Sinceramente, surpreendeu-me a originalidade dos sons e da “estrutura musical”. Mas não comprei-o naquele momento.

"Exit Planet Dust" by Chemical BrothersA onda tecno se alastrou até que nos trouxeram os Chemical Brothers. Outra loja, outra audição de CDs — conclui que nos encontrávamos numa espécie de ponto de inflexão da música pop.

Eis o embrião do texto, que é uma mistura de crítica à sociedade “robótica” e mecanicista, com um elogio à sonoridade tecna. Como a crítica às vezes se sobrepõe ao elogio, ou vice-versa, tal artigo trouxe com ele reações desencontradas. Por exemplo, a de Humberto Luiz Valdivia: “Pensar naquele lixo como o futuro da música é jogar toda a tradição cultural humana, adquirida ao longo de milhares de anos, numa cova e cobri-la com cimento.”


Sublime Guinga — salvando, mais uma vez, a alma brasileira (16/06/99)

Guinga e seu violão (fonte: divulgação)

A “Suíte Leopoldina” de Guinga me apareceu em resenhas de jornal. Adquiri-a imediatamente e caí da cadeira com a qualidade, o equilíbrio e a força de seu talento. O álbum era de um “nível” como há anos não se via e ouvia. Quem disse que a Música Brasileira morreu?

Céus! esse homem em conexão direta com o sublime e ninguém fala nada? — foi o que me ocorreu no contato com esse gênio do violão e da composição. Não demorei a derramar-me em palavras e em exaltação às músicas, aos arranjos, à execução e ao cantar de “Suíte Leopoldina”.

Foi minha modesta homenagem a um dos melhores discos da década. Num dos shows de divulgação, no Sesc Vila Mariana, fiz questão de adentrar ao camarim e entrega-lhe pessoalmente o panegírico. Guinga, numa olhada, exclamou rouco: “Nem li mas já gostei do título...”


O Inferno segundo Jean-Paul Woody Allen (01/07/99)

Harry e o homem-fora-de-foco (fonte: site do filme) Desconstruindo Harry mostrou-se como um dos filmes mais inventivos e bem amarrados de Woody Allen. Uma costura de cenas e de meditações cômicas sobre o que esperar da realidade e o que ela efetivamente nos traz; sobre o que esperar dos outros e o que eles nos proporcionam de fato. Harry e sua esposa psicóloga (fonte: site do filme)
     
Harry e seu filho (fonte: site do filme) Claro que, no filme, pululam piadas sobre instantes puramente ridículos e absurdos da vida, sem qualquer elevação maior. Tirei, no entanto, o que imaginei ser a “mensagem central” e procurei colocá-la como problema existencial. Por manipular conceitos bem gerais e abstratos, não provocou grandes reações. Considero, todavia, um dos orgulhos da coleção. Harry devaneando (fonte: site do filme)

As Guerras Estelares e o marketing do Yoda (13/07/99)

Yoda: um pouco entediado com a projeção (fonte: revista Time)


Toda a patacoada em torno da “continuação” de Star Wars e eu não pude me conter após constatar o fiasco. Boas lembranças de infância jogadas pela janela, graças a expectativas frustradas e tão parca originalidade na montagem dos primórdios das guerras estelares.

Aproveitei para desenvolver algumas considerações sobre o mundo multimilionário e competitivo dos estúdios de Hollywood. Mundo que, se não corrompe o realizador, o artista, transforma suas iniciativas em projetos tão milimetricamente calculados que, em matéria de esterilidade, dá no mesmo.

Puristas devem ter me excomungado pela eternidade afora. Concordou comigo, porém, Fernanda Floret: “O filme praticamente só é interessante como volta às memórias de infância. E isto é ótimo.  Só que só para quem teve infância brincando de jedi. E isso definitivamente não foi meu caso...”

Amidala em um de momento de energia e vibração (fonte: revista Time)

Se o amor da sua vida fosse J. D. Salinger (27/07/99)

Num dado momento, quase que virou moda publicar as intimidades do recluso escritor Jerome David Salinger. Primeiro foi a ex-mulher, depois a filha. E não adianta: por mais que tente afastar o interesse em torno de sua vida privada, Salinger, com essa política de reclusão, só faz aumentá-lo.

Li “At Home in the World” com a curiosidade de quem quer entender porque o homem se isolou e porque o mundo pode parecer tão repugnante para certas pessoas. O livro, entretanto, inverteu minhas expectativas e eu embalei na história de Joyce Maynard.

Acabei esquecendo Salinger e desenvolvendo uma teoria sobre o Amor, que apresento no artigo. Meu amigo cineasta Pi adorou: “Uma ou duas semanas antes de ler seu texto, num ataque de nostalgia, coloquei no CD player alguns álbuns que eu costumava escutar há dez anos atrás... Senti a felicidade que eu sentia naquele tempo, uma felicidade nem melhor nem pior do que a felicidade que sinto hoje, mas simplesmente diferente. E também senti a amargura de ter me transformado tanto, de ter deixado um eu de lado, a sensação de que eu havia me anulado por outra pessoa, de ter, como você diz, mudado meu centro de gravidade. Teria eu traído meus sonhos, o meu ser?”

Jerome David Salinger aos 44 anos (fonte: livro de Joyce Maynard)

A inteligência puramente musical de Caetano Veloso (11/08/99)

Caetano Veloso: viajando... (fonte: Folha de S. Paulo)


Um dos textos mais espontâneos e verdadeiros, causou muita polêmica e discordância, inclusive entre mim e a Carol. Dentro da minha tradição de “ataques”, muitos afirmam que eu “exagero”. O fato é que nunca me arrependo e, em retrospecto, orgulho-me de ter sido tão “eu” nessas horas.

Caetano Veloso é mais uma dessas unanimidades que ninguém toca. Ex-compositor e cantor brilhante, resolveu assumir o posto de bobo-da-corte nacional e, às vezes, disparar sua metralhadora giratória de absurdidades e inconsistências.

Cansado da eterna exaltação do Tropicalismo e de sua geração (que nem foi tudo isso), resolvi tentar mudar a pauta de discussão de críticos e aficcionados por música brasileira. Também cansado dos ataques a São Paulo e ao Rio, decidi entrar em defesa de tão culturalmente injustiçadas metrópoles. Proclamou, para a minha alegria, Leonardo Augusto: “Ninguém até hoje conseguiu escrever tão bem sobre o autor daquele livrinho — apesar de grosso — chamado Verdade Tropical.”


Eu morri, há meros dez anos atrás (21/08/99)


Raul Seixas emergindo das águas (fonte: site do Raul)


Esse texto foi a minha primeira contribuição exclusiva à extinta revista “Página Central”. Surgiu um convite do editor André Rosemberg e, como a publicação ocorreria dali a um ou dois meses, parti para um tema de maior duração e alcance.

Com muita timidez, falava-se dos dez anos da morte de Raul Seixas. Produzi, então, minha homenagem. Ainda sinto que lhe devo toda a minha inserção na MPB a partir do Rock. Raul fez a ponte entre os três acordes e o tempo marcado do Rock’n’Roll, contrapostos à harmonia (mais rica) e à letra (mais poética) da Música Popular Brasileira.

Fugindo obsessivamente aos clichês, tracei uma biografia e analisei as indicações que ele deixou de sua obra e de seu pensamento. Rendo, igualmente, minha homenagem ao livro “Baú do Raul”, que me despertou para questões tão corriqueiras e tão ignoradas do nosso viver (lá pelos idos de 1992-93).


Da Matrix que nos une (25/08/99)


Neo e Morpheus, travando um dos melhores diálogos do filme (fonte: site do Matrix)


Esse nasceu da confusão e da catarse após duas sessões do filme Matrix. Depois da primeira (quase sempre a mais chocante), saí com a impressão de que a vida era uma comédia fatal de eventos programados, e que a opressão era coisa para fracos.

Segundo minha idéia, o mundo te impõe limites, porém, a rigor, tais limites não existem. Como barreiras imaginadas, apenas serviriam de estímulo para te conduzir a um outro nível de consciência e de poder. Assim, quem não se deixasse paralisar e superasse os desafios apresentados conquistaria tudo. Como o messias do filme.

Ainda que fantasiosa na superfície, essa visão me convenceu como metáfora para se carregar consigo no dia-a-dia. Logo, ao contrário do que se julga a princípio, Matrix não me convenceu pelos efeitos e pela computação gráfica — encontrei nele uma mensagem cifrada que na minha cabeça fez sentido.


Na panela de pressão de Lenine (07/09/99)

Lenine: os olhos do peixe (fonte: contracapa do CD)


Lenine pipocou nos cadernos culturais com seu "Na Pressão". Curioso com a personalidade do artista (recifense, batalhador, com mais de 40 anos), cacei o CD "Under Pressure" (tradução que ele mesmo cunhou semanas depois).

Não precisei de muito para perceber que Lenine estava no pico da crista da onda da vanguarda. Tão originalmente misturava o regional (acústico) com o universal (eletrônico) que, estupefato, proclamei o desbunde.

Carol me presenteou com "O dia em que faremos contato" e virei fã. No mesmo show de Guinga, encontramos um Lenine humilde, saltitante e delicado. Tratamos de confessar-lhe toda a nossa admiração. Tento, no texto, fazer jus ao disco. Leia e ouça.

Yellow Submarine (DVD que a Carol me deu)

Submergindo na amarelidão dos Beatles (18/09/99)

Minha segunda contribuição à extinta "Página Central", esse texto é uma deslavada declaração de amor aos Beatles (enquanto insulta, de leve, a ditadura e a doutrina da Pop Art). Plenamente convencido de que os Fab Four derivaram de um background riquíssimo, muito além do Rock, critico as imitações simplistas de seus êxitos.

O gancho foi o relançamento (remasterizado) de "Yellow Submarine". Relendo, no entanto, vejo que foi mais uma desculpa para despejar minhas teorias sobre a genialidade daqueles sujeitos. Fenômeno que ninguém consegue explicar, os Beatles são, antes de tudo, músicos. O resto é história.

Ainda sobre o texto, errei ao reservar-lhe a exclusividade de uma publicação mensal. Merecia, como o artigo do Raul, a aparição (ainda que repetida) na coluna e aqui na página. Faço-o agora e espero que não seja tarde...


Amós Oz e a lógica da traição (23/09/99)

Amós Oz foi uma sugestão de Alberto Tamer, quando escrevi o texto sobre Paulo Coelho. Com a (re)edição de suas obras no Brasil, me pareceu uma boa oportunidade para conhecê-lo. "Pantera no Porão" revelou-se mais um livro de idéias do que de realizações. Do emaranhado de memória e ficção guardei justamente isso: os raciocínios bem sugeridos e mal terminados.

O romance gira em torno dos significados da palavra "traição" (ou "traidor"). Bom ponto. No Brasil, fala-se muito em inveja (em "mau olhado"), todavia, é a mesma coisa: pessoas trabalhando silenciosamente para prejudicar outra;, misturadas a elas em laços de convivência e até de amizade.

No final, Oz se rende ao tribunal de suas tradições e de seu povo. Sacrifica seu orgulho de "traidor" para que prevaleça o bem comum. No Brasil, porém, não encontramos ponto de conexão: sem fim maior, num "pega pra capar" eterno, os brasileiros traidores de hoje serão os brasileiros traídos de amanhã, e vice-versa.

"Pantera no Porão", o livro

Kubrick e os Olhos que a terra há de estar comendo (04/10/99)

"Eyes Wide Shut"

Kubrick, Kubrick, Kubrick. Um grão-mestre que nos deu o privilégio de sua convivência, compartilhando conosco suas obras. Todos esperavam ansiosos por Eyes Wide Shut, anos, muitos anos, depois do longo silêncio criativo de Stanley.

 

Não é que ele jogou dois ícones do consumo dentro de seu caldeirão de profundas questões morais? Conduziu-os soberbamente num ballet charmoso, soturno e misterioso para escrever sua derradeira obra-prima, baseando-se no ciúme e em suas conseqüências letais.

 

Explorei o filão do macho dilacerado pelas confissões ou insinuações da mulher amada. Desconsiderei a "história de detetive", pois, ao meu ver, serve apenas como fundo alegórico — como que para ilustrar as paixões e dores da alma.


Aspirante a Candidato (20/10/99)

Um dos meus artigos mais bem escritos. Joga com metáforas e com citações veladas, num embalo épico, a fim de encobrir os nomes de Ciro Gomes, ACM, FHC, Luis Fernando Verissimo, Roberto Freire, Patrícia Pillar, Roberto Mangabeira Unger e quaisquer outros de que já tenha, eu mesmo, me olvidado.

 

Não guardo qualquer simpatia especial para com o supracitado candidato. Aconteceu, no entanto, que o texto começou como paródia e terminou como profecia. Não que o Gomes venha a ser eleito, isso não. Ao contrário: delineei, no final, um perfil de alguém que um dia virá e que terá meu beneplácito.

 

Será? Provavelmente não. Restos espúrios de sebastianismo, porém, não me permitem abandonar de todo essa crença. Conforme escrevi: "Algum dia será..."

Você votaria neste homem? (fonte: revista República)

Admirável Mundo Tolo (03/11/99)

Vamos acabar assim (fonte: revista Carta Capital)

Para terminar, o ponto alto. Nas minhas exaustivas incursões por textos sobre clonagem e manipulação de genes, topei com as mais aviltatórias conclusões sobre inteligência, talento, realização, etc. Tinham sempre como alvo um ideal de "perfeição humana".

Inspirado por Sir Isaiah Berlin, procurei demolir, uma a uma, as certezas de que humanóides "pré-moldados" teriam mais "chance de sucesso" do que nós (misturas aleatórias das "qualidades" e de "defeitos" herdados de nossos pais). Se a possibilidade de "escolher" e de "selecionar" sementes for prática comum amanhã, teremos um mundo muito mais chato do que o de agora, com pessoas iguais por dentro e por fora.

Felizmente, fui compreendido e bem interpretado na minha intenção. O que prova que essa bobagem de "super-raça" não pega tanta gente quanto se costuma propagandear. Leia e me fale.


Com muito orgulho, fecho mais esse comentário-introdutório aos meus escritos. Para quem leu até aqui, espero que tenha gostado do passeio e que volte a me freqüentar. Mensagens, de qualquer teor, são bem-vindas e serão respondidas com presteza.

Por enquanto é isso. Nos vemos por aí,

J. D. Borges

16 de maio de 2000.

(Esta história continua em Artigos Recentes.)