Quase um ano de coluna semanal. De repente senti
que estava escolhendo temas a esmo, na pressa de compor alguma coisa para
o período. Como não me agradava ter de ceder às pressões das capas de
revista, das manchetes de jornal e dos comentários ao redor, preferi partir
para uma linha mais reflexiva, mais profunda, menos voltada para os fatos
e mais voltada para as idéias. A mudança de periodicidade,
de semanal para quinzenal, foi portanto uma estratégia de revitalização
e de amadurecimento. Creio, naturalmente, ser possível manter uma coluna
hebdomadária, de interesse geral e de criatividade constante. Para mim,
no entanto, a fórmula havia se esgotado. Ainda na esperança de ganhar
espaço na imprensa, pensava fechar esta coletânea com um texto atual,
sobre a conjuntura reinante. Veio a idéia de escrever sobre o então fenômeno
Ciro Gomes, e suas possibilidades como presidenciável. Daí surgiu
Aspirante a Candidato (também um jogo de adivinhação, visto que não
cito o Gomes em nenhum momento). |
Tempos depois, porém, explodiu
em mim Admirável Mundo Tolo, sobre toda essa
bobagem de bebês pré-fabricados. Eu estava definindo inteligência e marcadamente
senti que se estabelecia um novo divisor de águas. Minhas veleidades filosóficas
entravam em cena com toda a força e, se era para seguir essa rota, melhor
fechar logo um ciclo. Daí nasceu a coletânea Admirável
Mundo Tolo, que vocês lêem agora. (Saibam todos que qualquer
escorregão deve ser apontado, e que todo puxão de orelha é valido. Afinal,
o que seria deste pensador desgarrado não fossem os feed-backs de seus leitores?) |
Esse
texto veio como resposta ao caso do calouro de Medicina, acidentalmente
afogado numa piscina, durante um “trote” no início de 1999. Mencionei,
como complemento ao tema, a tragédia dos adolescentes atiradores da Columbine
School, nos Estados Unidos. Centrei minha argumentação no que defini como Puericentrismo,
ou a cultura atual de se colocar o jovem como “astro rei” de toda e qualquer
política, de todo e qualquer movimento histórico. Perigosamente, personalidades não formadas, testando
seus limites e usando armas de adultos, estão incendiando, como demônios,
o mundo. Enquanto não se lhes cobrar responsabilidades e deveres, que
todos nós temos, vidas ainda vão arder e outros desastres nos aguardam. |
Muito
me impressionaram os monólogos de Pedro Cardoso, em sua peça “Os Ignorantes”.
A escolha de tipos e de situações tão brasileiros serviu-me de inspiração
para uma peroração sobre a urgência e superficialidade da modern
life, contrapondo teatro e televisão. Vejam
como, às vezes, vida e obra coincidem. Naquele momento, eu estava recém
instalado e trabalhando na Avenida Paulista. Sufocavam-me, portanto, sua
densidade demográfica, seu tráfego pesado, o tempo reduzido e contado,
a sensação de opressão e, como dizem, a “correria”. Combinando tais ingredientes
à catarse de Cardoso e suas personagens, só podia produzir um artigo como
produzi. Comentou,
a esse respeito, minha irmã Carolina:
“No começo do seu texto você fala das desvantagens da modernidade. Coisa
que eu sou a primeira a concordar porque eu sou meio retrógrada mesmo.
Não suporto computador, sempre odiei videogames e não me dou muito bem
nem com o videocassete. Mas me espantou ver justo você falando mal de
tudo isso. Você sempre foi o que se deu melhor com tudo isso!? Bom sei
lá, vai ver você mudou de idéia...” |
Um
dia entrei numa dessas megastores e pus-me a escutar um CD com capa de
caranguejo. Intitulava-se “Fat of the Land” e era da banda Prodigy.
Sinceramente, surpreendeu-me a originalidade dos sons e da “estrutura
musical”. Mas não comprei-o naquele momento. A
onda tecno se alastrou até que nos trouxeram os
Chemical Brothers. Outra loja, outra audição de CDs — conclui que
nos encontrávamos numa espécie de ponto de inflexão da música pop. Eis o embrião do texto, que é uma mistura de crítica
à sociedade “robótica” e mecanicista, com um elogio à sonoridade tecna.
Como a crítica às vezes se sobrepõe ao elogio, ou vice-versa, tal artigo
trouxe com ele reações desencontradas. Por exemplo, a de
Humberto Luiz Valdivia: “Pensar naquele lixo como o futuro da música
é jogar toda a tradição cultural humana, adquirida ao longo de milhares
de anos, numa cova e cobri-la com cimento.” |
A “Suíte Leopoldina” de Guinga me apareceu em resenhas
de jornal. Adquiri-a imediatamente e caí da cadeira com a qualidade, o
equilíbrio e a força de seu talento. O álbum era de um “nível” como há
anos não se via e ouvia. Quem disse que a Música Brasileira morreu? Céus! esse homem em conexão direta com o sublime
e ninguém fala nada? — foi o que me ocorreu no contato com esse gênio
do violão e da composição. Não demorei a derramar-me em palavras e em
exaltação às músicas, aos arranjos, à execução e ao cantar de “Suíte Leopoldina”. Foi minha modesta homenagem a um dos melhores discos
da década. Num dos shows de divulgação, no Sesc Vila Mariana, fiz questão
de adentrar ao camarim e entrega-lhe pessoalmente o panegírico. Guinga,
numa olhada, exclamou rouco: “Nem li mas já gostei do título...” |
Desconstruindo
Harry mostrou-se como um dos filmes mais inventivos e bem amarrados
de Woody Allen. Uma costura de cenas e de meditações cômicas sobre o que
esperar da realidade e o que ela efetivamente nos traz; sobre o que esperar
dos outros e o que eles nos proporcionam de fato. |
Claro que, no filme, pululam piadas sobre instantes puramente
ridículos e absurdos da vida, sem qualquer elevação maior. Tirei, no entanto,
o que imaginei ser a “mensagem central” e procurei colocá-la como problema
existencial. Por manipular conceitos bem gerais e abstratos, não provocou
grandes reações. Considero, todavia, um dos orgulhos da coleção. |
Aproveitei para desenvolver algumas considerações
sobre o mundo multimilionário e competitivo dos estúdios de Hollywood.
Mundo que, se não corrompe o realizador, o artista, transforma suas iniciativas
em projetos tão milimetricamente calculados que, em matéria de esterilidade,
dá no mesmo. Puristas devem ter me excomungado pela eternidade
afora. Concordou comigo, porém,
Fernanda Floret: “O filme praticamente só é interessante como volta
às memórias de infância. E isto é ótimo. Só que só para quem teve
infância brincando de jedi. E isso definitivamente não foi meu
caso...” |
Num dado momento, quase que virou moda publicar as intimidades do recluso escritor Jerome David Salinger. Primeiro foi a ex-mulher, depois a filha. E não adianta: por mais que tente afastar o interesse em torno de sua vida privada, Salinger, com essa política de reclusão, só faz aumentá-lo. Li “At Home in the World” com a curiosidade de quem quer entender porque o homem se isolou e porque o mundo pode parecer tão repugnante para certas pessoas. O livro, entretanto, inverteu minhas expectativas e eu embalei na história de Joyce Maynard. Acabei esquecendo Salinger e desenvolvendo uma teoria sobre o Amor, que apresento no artigo. Meu amigo cineasta Pi adorou: “Uma ou duas semanas antes de ler seu texto, num ataque de nostalgia, coloquei no CD player alguns álbuns que eu costumava escutar há dez anos atrás... Senti a felicidade que eu sentia naquele tempo, uma felicidade nem melhor nem pior do que a felicidade que sinto hoje, mas simplesmente diferente. E também senti a amargura de ter me transformado tanto, de ter deixado um eu de lado, a sensação de que eu havia me anulado por outra pessoa, de ter, como você diz, mudado meu centro de gravidade. Teria eu traído meus sonhos, o meu ser?” |
Caetano Veloso é mais uma dessas unanimidades que ninguém toca. Ex-compositor e cantor brilhante, resolveu assumir o posto de bobo-da-corte nacional e, às vezes, disparar sua metralhadora giratória de absurdidades e inconsistências. Cansado da eterna exaltação do Tropicalismo e de sua geração (que nem foi tudo isso), resolvi tentar mudar a pauta de discussão de críticos e aficcionados por música brasileira. Também cansado dos ataques a São Paulo e ao Rio, decidi entrar em defesa de tão culturalmente injustiçadas metrópoles. Proclamou, para a minha alegria, Leonardo Augusto: “Ninguém até hoje conseguiu escrever tão bem sobre o autor daquele livrinho — apesar de grosso — chamado Verdade Tropical.” |
Com muita timidez, falava-se dos dez anos da morte de Raul Seixas. Produzi, então, minha homenagem. Ainda sinto que lhe devo toda a minha inserção na MPB a partir do Rock. Raul fez a ponte entre os três acordes e o tempo marcado do Rock’n’Roll, contrapostos à harmonia (mais rica) e à letra (mais poética) da Música Popular Brasileira. Fugindo obsessivamente aos clichês, tracei uma biografia e analisei as indicações que ele deixou de sua obra e de seu pensamento. Rendo, igualmente, minha homenagem ao livro “Baú do Raul”, que me despertou para questões tão corriqueiras e tão ignoradas do nosso viver (lá pelos idos de 1992-93). |
Segundo minha idéia, o mundo te impõe limites, porém, a rigor, tais limites não existem. Como barreiras imaginadas, apenas serviriam de estímulo para te conduzir a um outro nível de consciência e de poder. Assim, quem não se deixasse paralisar e superasse os desafios apresentados conquistaria tudo. Como o messias do filme. Ainda que fantasiosa na superfície, essa visão me convenceu como metáfora para se carregar consigo no dia-a-dia. Logo, ao contrário do que se julga a princípio, Matrix não me convenceu pelos efeitos e pela computação gráfica — encontrei nele uma mensagem cifrada que na minha cabeça fez sentido. |
Não precisei de muito para perceber que Lenine estava no pico da crista da onda da vanguarda. Tão originalmente misturava o regional (acústico) com o universal (eletrônico) que, estupefato, proclamei o desbunde. Carol me presenteou com "O dia em que faremos contato" e virei fã. No mesmo show de Guinga, encontramos um Lenine humilde, saltitante e delicado. Tratamos de confessar-lhe toda a nossa admiração. Tento, no texto, fazer jus ao disco. Leia e ouça. |
Submergindo
na amarelidão dos Beatles (18/09/99) Minha segunda contribuição à extinta "Página Central", esse texto é uma deslavada declaração de amor aos Beatles (enquanto insulta, de leve, a ditadura e a doutrina da Pop Art). Plenamente convencido de que os Fab Four derivaram de um background riquíssimo, muito além do Rock, critico as imitações simplistas de seus êxitos. O gancho foi o relançamento (remasterizado) de "Yellow Submarine". Relendo, no entanto, vejo que foi mais uma desculpa para despejar minhas teorias sobre a genialidade daqueles sujeitos. Fenômeno que ninguém consegue explicar, os Beatles são, antes de tudo, músicos. O resto é história. Ainda sobre o texto, errei ao reservar-lhe a exclusividade
de uma publicação mensal. Merecia, como o artigo do Raul, a aparição (ainda
que repetida) na coluna e aqui na página. Faço-o agora e espero que não
seja tarde... |
Amós Oz foi uma sugestão de Alberto Tamer, quando escrevi o texto sobre Paulo Coelho. Com a (re)edição de suas obras no Brasil, me pareceu uma boa oportunidade para conhecê-lo. "Pantera no Porão" revelou-se mais um livro de idéias do que de realizações. Do emaranhado de memória e ficção guardei justamente isso: os raciocínios bem sugeridos e mal terminados. O romance gira em torno dos significados da palavra "traição" (ou "traidor"). Bom ponto. No Brasil, fala-se muito em inveja (em "mau olhado"), todavia, é a mesma coisa: pessoas trabalhando silenciosamente para prejudicar outra;, misturadas a elas em laços de convivência e até de amizade. No final, Oz se rende ao tribunal de suas tradições e de seu povo. Sacrifica seu orgulho de "traidor" para que prevaleça o bem comum. No Brasil, porém, não encontramos ponto de conexão: sem fim maior, num "pega pra capar" eterno, os brasileiros traidores de hoje serão os brasileiros traídos de amanhã, e vice-versa. |
Kubrick, Kubrick, Kubrick. Um grão-mestre que nos deu o privilégio de sua convivência, compartilhando conosco suas obras. Todos esperavam ansiosos por Eyes Wide Shut, anos, muitos anos, depois do longo silêncio criativo de Stanley.
Não é que ele jogou dois ícones do consumo dentro de seu caldeirão de profundas questões morais? Conduziu-os soberbamente num ballet charmoso, soturno e misterioso para escrever sua derradeira obra-prima, baseando-se no ciúme e em suas conseqüências letais.
Explorei o filão do macho dilacerado pelas confissões ou insinuações da mulher amada. Desconsiderei a "história de detetive", pois, ao meu ver, serve apenas como fundo alegórico — como que para ilustrar as paixões e dores da alma. |
Por enquanto é isso. Nos
vemos por aí, 16 de maio de 2000. (Esta história continua em Artigos Recentes.) |