A dificuldade residia em fixar qual o limite para os “Primeiros Sabores”: iriam até março, maio, ou agosto? Tão logo abandonei a periodicidade semanal e adotei a quinzenal (uma proposta mais meditativa), ficou-me naturalmente sugerida a divisão entre os “Primeiros” e os “Demais Sabores” de 1999: os “Primeiros” iriam até fins de abril (encabeçados pelo texto Céus! Como pudemos acreditar que ganharíamos o disparatado Oscar?), e os “Demais” seguiriam daí em diante.
Além disso, poderia acrescentar que a coleção tende a uma visão “literária” do mundo, posto que reduz ou eleva assuntos de origens diversas a um mesmo patamar comum de análise. Como se precisasse nivelar a discussão e suas abordagens, atribuí menor ou maior grau de importância aos mais mundanos temas da vida cultural, intelectual e cotidiana do Brasil. (Mesmo que alguns desses temas não mereçam tal upgrade.) Vamos a eles. |
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1999. Um novo ano se anunciava e a Veja, provavelmente sem assunto, empurrava mais uma matéria sobre as diferenças e os conflitos entre os sexos. Cansado de ler e reler o mesmo repertório de simplificações e ingenuidades, tomei a reportagem como sugestão e desovei meu protesto contra a iniciativa idiotizante dessa e de outras revistas. Lamentável como um todo, a enquete procurava mais uma vez incitar o embate — ao invés de esclarecer e justificar os comportamentos que frustram homens e mulheres, educando-os para uma convivência produtiva e harmoniosa com seus parceiros. Gritei, protestei, esperneei mas não mudei nada, é lógico. Os mesmos aforismos generalizantes, sexistas, continuam a ser impressos e bradados. Ao menos, porém, expus minha visão a respeito, bem como algumas de minhas teorias sobre. |
Ruy Castro é uma admiração de todos nós. Particularmente por ter revitalizado a Bossa-Nova, o Jazz e Nélson Rodrigues. Como todo grande empreendedor e especialista em tópicos desse porte, tem lá as suas obsessões e os seus sacos de pancada atávicos. Propus, portanto, no meu escrito, não um ataque ao Ruy Castro pessoa, escritor, estudioso (como imaginou Alberto Dines) — propus, sim, uma reavaliação do seu idealismo e da sua quase inocência com relação aos mecanismos e aos propósitos que movimentam a indústria do entretenimento hoje em dia. Há muito se foi a apreciação e a consagração puramente meritórias, nas Artes. O Rock e seus roqueiros perceberam isso antes, reinando indefinidamente. That’s all. |
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Para quem havia, em seu currículo, subjugado um Paulo Coelho ou outro, o desafio se apresentava um tanto quanto perigoso. Não obstante, sobrevivi e convenci muita gente boa a comprar e ler Mr. Roth. É mais uma realização de que tenho orgulho, é mais um dragão que venci com galhardia. Acho. |
Caí, então, na de gula de “Clube dos Anjos” por causa de uma certa curiosidade com relação aos “plenos pecados”, e porque o Verissimo retornava ao romance depois de longa data. Não me decepcionei, pelo contrário, surpreendi-me deveras. Descobri um thriller empolgante, totalmente à brasileira. O pessoal da Editora Objetiva gostou tanto da minha entusiasmada resenha que a colocou em seu site — a fim de promover o livro, vejam só. |
Novamente nadei em revistas e mais revistas, anotando cada ponto, cada passagem, cada particularidade. Emergi com a tese de que Gustavo Franco era o oposto de Francisco Lopes, que por sua vez era o oposto de Armínio Fraga. O resultado dessa equação me levou a outros raciocínios que eu classificaria como mirabolantes, mas que mataram a minha sede intelectual hebdomadária. Para não dizer que chutei muito, ataquei o maniqueísmo — sempre em voga nas disputas pelo poder. |
Roberto Benigni. Nem bem o filme chegou às telas, o lobby já se instalara suntuosamente. “A Vida é Bela” aparecia em todas as publicações de peso, coberto de elogios, meses antes da estréia. Criou-se uma expectativa enorme. Embarcamos inocentes, eu, a Carol e nossos pais, nessa. O começo até que foi bem, com aquelas piadinhas meio manjadas, mas toleráveis, algumas até engraçadas. Da metade em diante, entretanto, a projeção foi ficando intragável: aquela falta de imaginação em mais uma vez insistir com os campos de concentração e com os nazistas; aquela pseudo-ingenuidade ao brincar com feridas delicadíssimas (e olha que eu nem sou judeu); aquela redução da Europa e dos europeus a uma pá de clichês americanóides (sendo que o filme era italiano)... Independentemente da futura querela que se instalaria por conta da concorrência com “Central do Brasil”, não tive como aplaudir “La Vita è Bella”, apesar de reconhecer seus méritos. Olavo de Carvalho me apoiou: “Parabéns pelas suas observações inteligentíssimas a propósito de ‘A Vida é Bela’. Oportuna sobretudo é a menção ao injustamente esquecido Totò. Perto dele qualquer Benigni encolhe como um Eddie Murphy comparado a Jerry Lewis.” |
Paguei parte da minha dívida para com o mestre irlandês. |
O Carnaval veio, como todo o ano, carregado e preponderante, urgente e degradante, na realidade e na aparência. Concorria com ele, porém, uma tal de Suzana Alves, a vulgarmente consagrada Tiazinha. O que me motivou a escrever sobre o fenômeno, no entanto, não foi o destaque e a notoriedade alcançados pela moçoila, mas sim as estúpidas considerações e especulações que a “intelligentsia” fez sobre seu chicote, sua máscara e a índole masoquista do brasileiro — como se a personagem nos caracterizasse em termos históricos e sociais. Aproveitei para externar minhas objeções ao desespero festivo e a falsa alegria dos carnavalescos. Minha amiga jornalista Dani Sandler gostou: “O texto da Tiazinha está perfeito; é uma coisa que eu sempre senti em relação ao Brasil e aos meus amigos e, quando tentava explicar, ninguém entendia.” |
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Rubem Fonseca, com seus livros que são puro deleite, reaparecia nas estantes por meio de “A Confraria dos Espadas”, abrindo espaço para uma devida homenagem. Não bastasse a minha inclinação pessoal para sua Grande Arte, os novos contos se mostraram eximiamente bem planejados e bem construídos, de uma qualidade constante e, ao que parece, inabalável. Não podia deixar de celebrar esse reencontro com sua pena magistral. Não acabou aí. Balançou-me o mesmo Rubem, semanas depois, com um telegrama que compensou todos os meus esforços e todas as minhas veleidades de escrevinhador incipiente. “Muito obrigado por suas amáveis palavras”, ele sentenciou e me marcou indelevelmente. |
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Quem sempre se afirmou entendido na Sétima Arte, sempre esnobou o Oscar. Até que o Brasil entrou na disputa. Aí passaram a acreditar em Papai Noel, em Coelhinho da Páscoa, em ressurreição do Cinema Novo, em redenção dos nossos grandes atores, diretores, cenógrafos, escritores e roteiristas — perante o mundo. Aí virou ridículo. Não perdoei o fato da maldita estatueta ter se tornado, de repente, tão necessária a ponto de sufocar a nossa identidade e os nossos valores — que são outros. Por que é que o brasileiro só se valoriza quando “faz bonito” lá fora? Por que é que a gente precisa de campeonatos mundiais, de olimpíadas e de recordes de bilheteria — para saber que somos bons e ponto? |
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Dias depois da edição da coluna, surpreendeu-me um mail de Zélia Duncan: “Muito legais as suas considerações sobre a caixa do Gil, dá gosto de ler.” E, na semana seguinte, um outro de Marcelo Fróes, o produtor e realizador do box set: “Belo ensaio, Borges... Obrigado pela força.” |
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Um guerra, com "g" maiúsculo, estava estourando e era minha obrigação abordá-la. À medida que tomava contato com o histórico do conflito, através de semanários internacionais, mais se fazia urgente uma manifestação a esse respeito. Poucos assuntos são tão sérios. Retomei minha verve de repórter, transmitindo ao público os porquês e as conseqüências mais fundamentais do conflito. Retratei igualmente o papel de cada agente principal (vide observações sobre o presidente dos EUA e o líder iugoslavo), aludindo a possíveis desfechos mundialmente trágicos. Moacir Werneck de Castro, em retribuição, citou-me em sua coluna de 18 de maio de 1999, no Jornal da Tarde. |
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Esse deu trabalho. E que trabalho. Devorei um suplemento especial do Estado de S. Paulo e, com a ajuda de outras investigações na Imprensa, montei um retrato impiedoso e nauseabundo do estado da vereação na Capital. Inacreditável como os senhores vereadores aprontaram, nesta e em outras gestões municipais. Fiquei tonto com tanta licenciosidade, ilegitimidade, ilegalidade, ilicitude. Depois de conhecer esse mundo, você quase desiste da cidade, quase desiste do país, quase desiste de votar. E pensar que a CPI foi descontinuada com absolvição generalizada... Não se esqueçam de ler antes das próximas eleições. |
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Sou um apaixonado pela História do Brasil e esses dois livros, de Bueno, sobre os primórdios do Descobrimento me ensinaram uma porção de coisas que eu quis passar adiante. Ultimamente, relendo meu artigo, pareceu-me excessivamente técnico, carregado e pouco fluido. Foi uma espécie de canto de cisne — pois, àquela altura, a produção semanal de colunas havia me levado às raias do esgotamento físico e mental. Meu amigo de Politécnica, Daniel Petrini, notou isso quase às avessas: “Pelo que percebo em seus textos você está passando por um momento de efervescência, parabéns.” De qualquer jeito minha idéia foi boa — porque a Veja, ainda outro dia, apareceu com uma matéria que começava exatamente assim: “Quem descobriu o Brasil? Pedro Álvares Cabral não é a resposta certa... Não se trata de um português, mas do espanhol Vicente Yañez Pinzón, em 26 de janeiro de 1500...” |
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Bem, deixando de lado as coincidências, foi muito bom tê-los novamente aqui, neste passeio de explicações e esclarecimentos acerca do meu colunismo. Espero sinceramente que continuem a visitar-me, deixando sempre suas impressões sobre o que viram, leram, sentiram. Fico sempre muito grato pela audiência. Mais uma vez, obrigado. 4 de setembro de 1999. (Esta história continua em Admirável Mundo Tolo.) |